sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Hors Satan (Bruno Dumont, 2011)


Em verdadeiro espírito Bressoniano, o filme começa com um plano de mãos. Primeiro, a dele a bater à porta. Depois, a dela esgueirando-se para fora a empunhar uma sande. Acções a definirem rituais do dia-a-dia a definirem a ordem que as personagens procuram nas suas vidas mas que acaba sempre por ser quebrada, tornando a busca pela sua recuperação, na segurança de rotinas quotidianas, ainda mais incessante. Andar, por exemplo, caminhar, até à bouça, até ao silo, até a praia, mais, até mais longe, estrada acima, estrada abaixo. Pode ser que no fim se chegue a algum lado.

Os filmes de Dumont são povoados por imagens violentas, retratos de actos violentos, partos de pessoas banais que parecem estar em luta com a maldade com que, por esta ou aquela razão (ou mesmo por nenhuma razão em particular), se lhes atravessou à frente, porque o pecado pode encontrar-nos no outro lado do mundo (Flanders), pode morar na casa ao lado (Humanity) ou até dentro de nós, como parece ser o caso em Hors Satan. Ele (sempre anónimo) é feito de contrariedades e tão fácil de gostar como de odiar - não por factores subjectivos, simplesmente por ser capaz do melhor e do pior.

O ritmo é lento e o som totalmente diegético, para evidenciar a ausência de juízos de valor nas seguintes comunhões maniqueístas: justiça disfarçada de homicídio, um espancamento seguido de um exorcismo, luxúria contrabalançada com um milagre, entre outras. Só sabemos o que o título nos diz - o maior desejo é o de praticar o bem. Talvez seja o trabalho menos interessante de Dumont em termos de história (Twentynine Palms não conta, pois a economia nesse filme é tal que consome qualquer vestígio de história), mas a personagem principal é a mais completa que já criou.

Lembrei-me de The Last Temptation Of Christ (Martin Scorsese, 1988), em que só sabemos que estamos perante o messias porque é identificado pelo nome e por episódios bíblicos amplamente reconhecíveis. Se assim não fosse, teríamos apenas um homem, em conflito consigo mesmo, desesperado por ser uno com a natureza que o rodeia. Em Hors Satan é igual, com um redobrado sentimento de incerteza, porque o ambiente é mais suave e verdejante e a introspecção é proibida. Mais um filme fascinante, cru, rico em textura e significado, para o espectador paciente.

8/10

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