quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Lincoln (Steven Spielberg, 2012)

Steven Spielberg parece ter iniciado um ciclo, com duração ainda por determinar, de emulação de um dos seus realizadores preferidos, John Ford, cujos filmes, recheados de beleza pictórica, mensagens anti-guerra, retratos de família ou cenários históricos, apareciam como referência evidente em War Horse. O mesmo acontece em Lincoln, com o guião de Tony Kushner exclusivamente focado na passagem do 16º presidente dos EUA pela Casa Branca, qual sequela tardia de Young Mr. Lincoln.

Ao contrário de War Horse, a necessidade de contar uma história ficcional com contexto histórico específico é secundarizada pela intenção de ponderar o impacto na História de uma figura icónica real que pode até ter ficado aquém do seu potencial e nem ter materializado todas as suas ideias por ter sido arrastado para uma guerra civil brutal no início do seu mandato, posteriormente encurtado por um assassinato público, e sempre envolto em incompreensão, por vezes à conta da sua teimosia paciente.

De modo adequado, o filme começa in media res, em plena batalha de Jenkins’ Ferry, com especial atenção aos soldados negros, que viam, finalmente, a possibilidade de serem livres ao fundo do horizonte, mas rapidamente somos conduzidos à Washington do séc. XIX, onde o esmero no design de produção a nível de cenários e bigodaços se torna mais evidente. Não abdicando de uns brilhos nas lentes e de realçar a altura de Lincoln para lhe dar uma imagem quase divina, Spielberg acaba por mostrar várias facetas.

Cedo fica claro que mesmo do lado do antigo presidente há quem esteja disposto a não dar seguimento à Proclamação da Emancipação, o primeiro passo no sentido de terminar a escravatura, válida apenas durante a guerra. Com a rendição da Condeferação dos estados sulistas próxima de se tornar uma realidade, é necessário legislar a igualdade dos negros no Congresso e os dilemas políticos que rodeiam tal mudança são imensos, mas são os dilemas morais que mais preocupam Lincoln.

Ele sente-se a ser empurrado de todos os lados para trair aquilo em que acredita e a abandonar o processo que já iniciou. A sua obstinação leva-o a comportamentos ditatoriais e a tácticas que podem ser consideradas persecutórias para conseguir votos a favor da sua 13ª Emenda. Apesar da sua fleuma num ambiente profissional, com a sua esposa e o seu filho mais velho a imagem de auto-controlo é contrariada com frequência, revelando as suas fragilidades e receios.

A depressão de Mary e a insistência de Robert em alistar-se, como os filhos de tantos outros americanos, tiram-no do sério. A personificação de Daniel Day-Lewis é impressionante, mas nestes momentos em especial a sua mestria vem ao de cima, veja-se a discussão entre a sua personagem e a de Joseph Gordon-Levitt. Às vezes as pessoas mais próximas são as que mais se magoam umas às outras; o pai não resiste e dá uma chapada ao filho, imediatamente segurando-o, arrependido.

Entre Gangs Of New York, There Will be Blood e Lincoln estão provavelmente as três melhores interpretações do séc. XXI. A forma como Daniel Day-Lewis se torna no papel é o método de Lee Strasberg levado ao extremo, onde mais ninguém consegue chegar hoje em dia. De resto, para um filme de 2 horas e meia de Spielberg composto maioritariamente por conversa, passa bastante bem e com uma dose equilibrada de sentimentalismo. Lincoln é de um classicismo esclarecido e cativante.

8/10

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