Não se pode dizer que a consistência seja uma preocupação
para Steven Soderbergh; na realidade, se há alguém em Hollywood que se assume
como um autor que prima pela variedade e produtividade é ele, que muda de
registo e estilo com uma facilidade impressionante, mesmo que nem sempre com a
mesma taxa de sucesso. Ainda assim, se há tema que se pode reencontrar
frequentemente na sua filmografia é a sexualidade, não só a forma como a
sociedade em geral e certos meios em particular a encaram, rejeitam ou
exploram, mas também a forma como as próprias personagens lidam com as suas
preferências, actos e escolhas no que a isso diz respeito.
Parte do sucesso de Sex, Lies And Videotape deveu-se à
sofisticação com que contrapunha a traição consumada com a verbalizada, pondo
duas questões contraditórias, qual delas a pior e qual delas a mais erótica e
estimulante? Com The Girlfriend Experience e Magic Mike, vinte anos depois, a
realidade é menos restritiva e restam pouco tabus, só que o preço pode ter sido
a queda dos compromissos numa relação, secundarizando-se o amor em prol da pura
satisfação dos desejos carnais. Comparando com estes exemplos, Behind The
Candelabra é mais convencional – a intimidade não é reprimida, os sentimentos
são profundos, não descartáveis e o espectáculo é subtilmente revelador, não impudente.
Liberace e Scott Thorson podiam ser um casal tão comum como
qualquer outro, não fosse o primeiro o pianista mais famoso de uma América
ainda pouco preparada para lidar com a sua homossexualidade, por muito evidente
que fosse, e, mais importante para o filme, um homem extremamente inseguro,
obcecado com a juventude que lhe foge à medida que as décadas avançam, marcado
negativamente pelo poder controlador materno (ainda que a extensão seja pouco clara,
são vários os detalhes que apontam para tal, como a referência a liberdade
feita por Liberace perante a morte da mãe), incontrolavelmente promíscuo, cheio
de amor para dar e medo de o dar a quem não o merece.
A complexidade dos seus números em Las Vegas está a par com
a da sua vida privada. Pelas suas contradições e pela exposição que o papel
exige, é impossível não admirar o que Michael Douglas faz aqui. Liberace é
assumidamente extravagante, mas, em palco com o mais brilhante dos pianos ou em
casa rodeado pelos mais luxuosos móveis, a fazer a mais honesta declaração de
confiança ou a relembrar nervosamente quem traz o dinheiro para casa, nunca
deixa de ser um homem sensível, quer dizer, mesmo nos seus momentos mais
irracionais e imprevisíveis, Douglas inspira a compaixão que alguém tão
naturalmente altruísta, no fundo, exige.
Matt Damon tem uma particular habilidade para trapaceiros e aproveitadores.
Não é que Scott o faça com intenção, mas a verdade é que, confortável sendo o
amante-filho-confidente-empregado de uma celebridade, deixa de olhar com
ponderação para o seu presente e futuro. O sonho de ser veterinário, por
exemplo, esvai-se rapidamente e nunca mais é mencionado. Claro que numa relação
tão intensa, mantida às escondidas com muito esforço durante seis anos, onde os
dois lados levam vidas tão diferentes, há imensos desequilíbrios, ambos cometem
erros, tentando preencher os vazios que carregam desde a infância, e é agridoce
constatar que o amor, que existe e é abundante, não é suficiente para a manter.
O argumento foca-se em expor as imperfeições e fragilidades
de cada, o que simultaneamente realça os sentimentos que os unem, deixando a
Soderbergh a tarefa de colorir um dos mais vívidos retratos de uma história em
conjunto dos últimos anos. O mundo exterior passa a ser um rumor. A fotografia
é tão “kitsch palacial” quanto o estilo cultivado e assim denominado por
Liberace, o ouro dos anéis e do cabelo de Scott em constante destaque. Isto até
se chegar a 1986 e a sentença de morte da SIDA ser o motivo de um último,
cinzento e devastador encontro, uma das cenas do ano. Morre também uma certa
ingenuidade irrepetível das revoluções dos anos 70.
8/10
Excelente texto. Estou cheia de expectativa para este que, supostamente, será o último filme de Steven Soderbergh.
ResponderEliminarCumprimentos cinéfilos.
Obrigado Inês! Espero que corresponda :) É curioso que o homem esteja talvez a atravessar o momento de maior maturidade na sua carreira e se retire agora. Desde o Che que tenho gostado bastante do que tem feito.
EliminarAinda não vi, mas pelo que leio fico com redobradas expectativas. Soderbergh mais equilibrado de um projecto para outro? Tou a ver que sim.
ResponderEliminarCumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Para mim o homem tem ficado cada vez melhor :)
EliminarEu gostei bastante do trailer The Knick com Steven Soderbergh, especialmente considerando que é um trailer. Talvez haja muita informação e tudo o que deixou um pouco fora de lugar, mas a promessas e promessas muito
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