Depois do frente-a-frente
reconstituído em Frost/Nixon das célebres entrevistas do jornalista ao antigo
presidente conduzidas em 1977, um dos mais marcantes confrontos de mentes da
história da televisão, Ron Howard parece, pela primeira vez na sua carreira,
transportar alguns aspetos de um filme seu para o seguinte, ao continuar na
mesma década e parando noutra rivalidade pública, desta vez no desporto: o
domínio bipartido automobilístico de James Hunt e Niki Lauda na Fórmula 1. O
que faz de Rush ainda melhor é a constatação de que nos maiores feudos são normalmente
as inúmeras ligações, à partida inevidentes, entre as partes que os torna férreos
e épicos.
Enquanto jovens, sem o apoio das
respectivas famílias e com uma enorme vontade de mostrar ao mundo aquilo de que
eram capazes, estão inscritos na Fórmula 3, uma liga que dá alguma
visibilidade, mas parece 30 anos atrasada a nível organizacional e de meios
disponíveis em relação aos Grand Prix de topo. Já nessa altura, Hunt chama
sempre para si a atenção e o risco, enquanto Lauda se mantém reservado e
calculista, na pista e fora dela. Para um, o talento é uma bênção que deve ser
celebrada com sexo e álcool sempre que possível, enquanto para o outro tem de
ser trabalhado diariamente, mesmo que isso signifique abdicar de certos luxos,
como a própria felicidade.
Não é só de montagens frenéticas
e corridas a 300 km/h de que Rush vive, antes pelo contrário, Howard consegue
sempre equilibrar isso com óbvia compreensão de como as vidas pessoais e as
inseguranças de cada um influenciam até os estilos de condução que os
caracterizaram. A impetuosidade do britânico é responsável pelas mais
mirabolantes ultrapassagens da época, mas também por divórcios pouco amistosos,
declarações polémicas e uma ansiedade constante, que procura acalmar com
excessos variados. Em Nova Iorque despede-se da mulher num restaurante, sai
sozinho para a gozar perante os paparazzi e entra num táxi cabisbaixo, talvez
arrependido, no mínimo consciente da sua solidão.
Longe dali, o austríaco prepara
os carros com os mecânicos, ofende muita gente com uma honestidade sem tacto e
questiona-se sobre o seu futuro por sentir que tem finalmente algo a perder ao
casar-se, depois de anos a ser lembrado da sua aparência menos atrativa e a
isolar-se por opção. Assim chegamos a Nürburgring (Alemanha) em Agosto de 1976,
“The Green Hell” ou o percurso mais antiquado e perigoso do campeonato. Lauda
insiste para que a prova seja boicotada pelos pilotos devido às más condições
atmosféricas, mas, como era o líder da classificação, ninguém lhe dá ouvidos.
Um acidente logo no início transforma o seu carro numa bola de fogo e é levado
para o hospital com queimaduras gravíssimas.
Vê-lo a ser entubado num processo
de limpeza de pulmões enquanto olha para a televisão, onde Hunt vai ganhando
pontos todos os fins-de-semana aproveitando-se da ausência do maior rival, é perturbador.
Mas dá-lhe motivação. Na realização, montagem, fotografia e actuações
exploram-se a claustrofobia do carro, a adrenalina da velocidade, a dor da
recuperação, o espírito de competição, mas, acima de tudo, o laço único de
respeito e admiração que se cria entre estes dois homens, com perspectivas tão
díspares, que fazem de tudo para se baterem por saberem que são os melhores
naquilo que fazem. É a beleza do desporto numa história real que, mais tarde ou
mais cedo, tinha de dar em filme.
9/10