A Segunda Guerra Mundial sempre
foi e sempre será terreno fértil para o cinema; ao longo dos anos, já saíram
filmes sobre todas as maiores batalhas, sobre todos os mais influentes
protagonistas, de todas as perspectivas, com mais ou menos realismo, com mais
foco sobre os líderes, sobre os soldados ou sobre os inocentes. Ainda assim, as
surpresas surgem quando menos se espera e, mesmo não tendo propriamente passado
despercebido na altura de estreia, como atesta a nomeação para o Óscar de
Melhor Argumento Adaptado, este Europa Europa é uma agradável descoberta.
Em questão, uma história de
sobrevivência inverosímil mas verídica. Solomon Perel, judeu alemão, muda-se
para a Polónia com a família quando o antissemitismo nazi começa a envenenar o
dia-a-dia, ainda antes do conflito romper. Quando Hitler manda as suas tropas
avançar rapidamente para leste, o rapaz e um dos irmãos mais velhos separam-se
dos pais, por vontade destes, em direção à Rússia, para lá procurarem refúgio
antecipadamente. O problema é que também eles perdem, no meio de tantos
migrantes, e Solomon acaba sozinho num orfanato soviético.
Dois anos passam, tempo
suficiente para absorver a cultura e a língua, adorar Estaline e esquecer Deus.
Numa cena com iguais porções de comédia e incredulidade, outro rapaz
declara-se, em plena sessão de leitura sobre a glória do comunismo, crente. Uma
partidária febril desafia-o então a rezar por uma chuva de rebuçados na
cantina. Relutante, ele cede e nada acontece. A miúda diz-lhe para fazer o
mesmo, desta vez chamando pelo seu líder. De repente, de uma grelha no tecto,
alguém escondido num sótão deixa cair dezenas de doces, para gáudio de todos os
alunos. O culto de personalidade no expoente máximo.
Contudo, a guerra ainda tem muito
para dar. Os alemães avançam, Solomon é preso e tem de se habituar a mentir
para continuar vivo. Bilingue, é aceite num pelotão da Wehrmacht por ser um
óptimo tradutor. Este nível de inteligência só é possível pertencendo à raça
ariana, certamente, e a sua identidade raramente é questionada, tal a sua
importância. O jovem sempre desejara ser actor, mas nunca imaginara que ser
outra pessoa custasse tanto… e o pior nem é esconder a circuncisão na linha da
frente dos companheiros de batalha. O maior problema é quando um coronel o
adopta e envia para um internato no Reich.
Europa Europa é constituído por
episódios de uma ironia extrema – Solomon tem a sorte e a habilidade de escapar
da morte muitas vezes e de formas incríveis. Só que e a sua família? E os
outros judeus que habitavam na Alemanha e na Polónia, por exemplo? Julie Delpy
aparece, com 20 anos, a fazer de adolescente iludida e com uma dobragem
horrível, e Marco Hofschneider tem o papel de uma carreira. A acompanhar este
grande argumento, o melhor tema de Zbigniew Preisner, compositor frequente de
Krzysztof Kieslowski. Praticamente só boas razões para recordar este filme.
8/10