quarta-feira, 22 de julho de 2015

Europa Europa (Agnieszka Holland, 1990)

A Segunda Guerra Mundial sempre foi e sempre será terreno fértil para o cinema; ao longo dos anos, já saíram filmes sobre todas as maiores batalhas, sobre todos os mais influentes protagonistas, de todas as perspectivas, com mais ou menos realismo, com mais foco sobre os líderes, sobre os soldados ou sobre os inocentes. Ainda assim, as surpresas surgem quando menos se espera e, mesmo não tendo propriamente passado despercebido na altura de estreia, como atesta a nomeação para o Óscar de Melhor Argumento Adaptado, este Europa Europa é uma agradável descoberta.

Em questão, uma história de sobrevivência inverosímil mas verídica. Solomon Perel, judeu alemão, muda-se para a Polónia com a família quando o antissemitismo nazi começa a envenenar o dia-a-dia, ainda antes do conflito romper. Quando Hitler manda as suas tropas avançar rapidamente para leste, o rapaz e um dos irmãos mais velhos separam-se dos pais, por vontade destes, em direção à Rússia, para lá procurarem refúgio antecipadamente. O problema é que também eles perdem, no meio de tantos migrantes, e Solomon acaba sozinho num orfanato soviético.

Dois anos passam, tempo suficiente para absorver a cultura e a língua, adorar Estaline e esquecer Deus. Numa cena com iguais porções de comédia e incredulidade, outro rapaz declara-se, em plena sessão de leitura sobre a glória do comunismo, crente. Uma partidária febril desafia-o então a rezar por uma chuva de rebuçados na cantina. Relutante, ele cede e nada acontece. A miúda diz-lhe para fazer o mesmo, desta vez chamando pelo seu líder. De repente, de uma grelha no tecto, alguém escondido num sótão deixa cair dezenas de doces, para gáudio de todos os alunos. O culto de personalidade no expoente máximo.

Contudo, a guerra ainda tem muito para dar. Os alemães avançam, Solomon é preso e tem de se habituar a mentir para continuar vivo. Bilingue, é aceite num pelotão da Wehrmacht por ser um óptimo tradutor. Este nível de inteligência só é possível pertencendo à raça ariana, certamente, e a sua identidade raramente é questionada, tal a sua importância. O jovem sempre desejara ser actor, mas nunca imaginara que ser outra pessoa custasse tanto… e o pior nem é esconder a circuncisão na linha da frente dos companheiros de batalha. O maior problema é quando um coronel o adopta e envia para um internato no Reich.

Europa Europa é constituído por episódios de uma ironia extrema – Solomon tem a sorte e a habilidade de escapar da morte muitas vezes e de formas incríveis. Só que e a sua família? E os outros judeus que habitavam na Alemanha e na Polónia, por exemplo? Julie Delpy aparece, com 20 anos, a fazer de adolescente iludida e com uma dobragem horrível, e Marco Hofschneider tem o papel de uma carreira. A acompanhar este grande argumento, o melhor tema de Zbigniew Preisner, compositor frequente de Krzysztof Kieslowski. Praticamente só boas razões para recordar este filme.

8/10

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