domingo, 18 de dezembro de 2016

domingo, 11 de dezembro de 2016

Werckmeister Harmonies (Bela Tarr, 2000)

Werckmeister Harmonies é um terrível pesadelo e um belo sonho. É o som e o silêncio. Dia e noite. Preto e branco. Redenção/Condenação. Esqueçam conceitos como ação ou tempo e agarrem-se apenas ao movimento que se estende de um espaço até outro diferente mas estranhamente ligado ao anterior. Atravessamos uma vila húngara, admiramos as suas gentes, as suas casas, os seus lugares comuns, a natureza que os rodeia, a ameaça que se aproxima, a desordem que se materializa e depois desvanece com ainda mais celeridade.

Esta ubiquidade neutra estabelece Werckmeister Harmonies como um ensaio primariamente plástico, e, nesse sentido, é um filme imaculado. Temos 24 frames por segundo em 145 minutos de película e 39 longas cenas, de uma fluidez e mise-en-scène tão etéreas que nos perdemos a contemplar cada milímetro quadrado do ecrã, como se mais nada importasse senão a imagem propriamente dita, não o que significa ou em que contexto se insere, mas apenas as formas e os contrastes daquilo que vemos, sejam pessoas, construções ou paisagens. O que interessa não é o que acontece, mas o que vemos no que vai acontecendo. Apercebemo-nos do terrível facto de que tudo isso se perde a cada segundo que passa e ficamos na dúvida do que é maior, se a tristeza pelo que fica para trás, se o entusiasmo pelo que Bela Tarr filmará a seguir.

Num plano secundário encontramos resquícios de uma história, que nem é sobre ninguém em particular, apesar de ser apresentada à medida que seguimos um rapaz que se confunde com os cenários que atravessa. Janos (Lars Rudolph) conhece tudo e todos, é o nosso guia, destila meia dúzia de frases feitas sobre o cosmos, mas não tem um discurso pessoal. Quando uma espécie de circo chega à cidade, são apresentados aos cidadãos dois atos, que representam perspetivas de vida opostas: apreciar uma baleia, cujo gigantismo e harmonia coloca os homens no seu lugar e os relembra da responsabilidade de viver em sintonia com a natureza, ou acompanhar o “príncipe”, um niilista misterioso que vai instigar revoltas desnecessárias, como tantas que acontecem ao longo da História e por todas as geografias.

Desde a primeira cena que o confronto entre a luz e as trevas é evidente, quando vários homens numa taberna teatralizam um eclipse, coordenados por Janos. Mais para o fim, um grupo ameaçador marcha contra o hospital, transformado por discursos vazios, até chegar a um balneário onde um idoso nu se mantém petrificado. Perante tal demonstração da fragilidade humana, regressa o silêncio e a calma. Pura excelência técnica e contemplativa que desafia qualquer descrição.

9/10

domingo, 4 de dezembro de 2016

It Follows (David Robert Mitchell, 2014)

Aqueles takes longos e silenciosos, aquela mistura de sons e imagens misteriosas e aquela utilização dos elementos naturais para esconder ameaças prestes a ser reveladas que são transversais aos melhores filmes de John Carpenter contribuem para criar uma atmosfera singular - é exatamente isso que David Robert Mitchell parece perseguir em It Follows, essa impressão de que um assassino está à espera num quintal do subúrbio mais pacífico imaginável, de que fantasmas podem saltar do nevoeiro numa banal vila costeira ou até de que aliens se refugiam debaixo da pele de pessoas com que nos cruzamos todos os dias.

Lentamente, somos apresentados a uma família composta por várias mulheres de diferentes idades, na qual a mãe se mantém praticamente ausente e as filhas dividem o tempo entre as aulas, a piscina desmontável e, no caso de Jay (Maika Monroe), encontros com um rapaz que conhece mal. Após fazerem sexo pela primeira vez, ela inicia um monólogo romântico e é um belo cenário de amor que quase nos ilude de que nada se passa, quando, de repente, ele salta-lhe em cima e abafa-a com clorofórmio. O filme começa. Ao acordar, Jay fica a saber que lhe foi transferida, qual DST, uma maldição que a perseguirá sob a forma de espectros lentos e com vontade de matar, apenas visíveis pelo(a) hospedeiro(a).

Sendo impossível de prever onde e quando a alcançarão, ela não pode parar num só sítio nem adormecer, sob pena de ser apanhada durante o sono. As irmãs e os amigos notam uma diferença brutal no seu comportamento e, depois de Jay partilhar esta história sobrenatural, eles acompanham-na numa série de tentativas para decifrar a verdade, incluindo os mais céticos. Para além de jogar com as ansiedades sobre a sexualidade juvenil da forma mais subversiva desde Kids (1995), pondo de lado o realismo extremo de Larry Clark e substituindo-o pela criatividade do cinema de terror, coloca-se um enorme dilema moral através das seguintes opções: deixar-se ser apanhada e morrer, fugir até à exaustão ou passar o vírus a outrem.

Para onde quer que o grupo vá, algo os segue. A união que se gera levará a um excesso de solidariedade? Serão interrompidos por um ato invisível de violência em casa ao abrir a porta do quarto, no parque infantil com algo a saltar de trás de uma árvore ou na margem do lago onde se escondem temporariamente? Pode acontecer a qualquer momento e é incrível como nunca deixamos de ter consciência disso. Os contrastes da cidade de Detroit, a familiaridade das personagens e lugares e a banda sonora a relembrar Halloween (1978) elevam It Follows ao nível de um clássico moderno do género.

9/10