Werckmeister Harmonies é um terrível pesadelo e um belo
sonho. É o som e o silêncio. Dia e noite. Preto e branco. Redenção/Condenação.
Esqueçam conceitos como ação ou tempo e agarrem-se apenas ao movimento que se
estende de um espaço até outro diferente mas estranhamente ligado ao anterior.
Atravessamos uma vila húngara, admiramos as suas gentes, as suas casas, os seus
lugares comuns, a natureza que os rodeia, a ameaça que se aproxima, a desordem
que se materializa e depois desvanece com ainda mais celeridade.
Esta ubiquidade neutra estabelece Werckmeister Harmonies
como um ensaio primariamente plástico, e, nesse sentido, é um filme imaculado.
Temos 24 frames por segundo em 145 minutos de película e 39 longas cenas, de
uma fluidez e mise-en-scène tão etéreas que nos perdemos a contemplar cada
milímetro quadrado do ecrã, como se mais nada importasse senão a imagem
propriamente dita, não o que significa ou em que contexto se insere, mas apenas
as formas e os contrastes daquilo que vemos, sejam pessoas, construções ou
paisagens. O que interessa não é o que acontece, mas o que vemos no que vai acontecendo.
Apercebemo-nos do terrível facto de que tudo isso se perde a cada segundo que
passa e ficamos na dúvida do que é maior, se a tristeza pelo que fica para
trás, se o entusiasmo pelo que Bela Tarr filmará a seguir.
Num plano secundário encontramos resquícios de uma história,
que nem é sobre ninguém em particular, apesar de ser apresentada à medida que
seguimos um rapaz que se confunde com os cenários que atravessa. Janos (Lars
Rudolph) conhece tudo e todos, é o nosso guia, destila meia dúzia de frases
feitas sobre o cosmos, mas não tem um discurso pessoal. Quando uma espécie de
circo chega à cidade, são apresentados aos cidadãos dois atos, que representam
perspetivas de vida opostas: apreciar uma baleia, cujo gigantismo e harmonia
coloca os homens no seu lugar e os relembra da responsabilidade de viver em
sintonia com a natureza, ou acompanhar o “príncipe”, um niilista misterioso que
vai instigar revoltas desnecessárias, como tantas que acontecem ao longo da
História e por todas as geografias.
Desde a primeira cena que o confronto entre a luz e as
trevas é evidente, quando vários homens numa taberna teatralizam um eclipse,
coordenados por Janos. Mais para o fim, um grupo ameaçador marcha contra o
hospital, transformado por discursos vazios, até chegar a um balneário onde um
idoso nu se mantém petrificado. Perante tal demonstração da fragilidade humana,
regressa o silêncio e a calma. Pura excelência técnica e contemplativa que
desafia qualquer descrição.
9/10