domingo, 8 de janeiro de 2017

Intruder in the Dust (Clarence Brown, 1949)

Não é possível ver Intruder In The Dust sem pensar em To Kill A Mockingbird (1962). Ambos lidam com casos de afro-americanos detidos injustamente na sequência de um crime, expondo o racismo que domina a população e que acaba por afetar os respetivos advogados de defesa. O foco recai sobre as crianças que os rodeiam, desestabilizando a inocência dos filhos de Atticus Finch (Gregory Peck), vítimas impotentes da tensão social gerada na adaptação do romance de Harper Lee, e moldando o carácter do sobrinho de John Stevens (David Brian), parte ativa na procura de justiça nesta adaptação do romance de William Faulkner.

Logo aí há uma diferença importante. As personagens principais de um ocupam grande parte do seu tempo de ecrã com brincadeiras próprias da infância, por vezes testemunhando ou sofrendo as consequências do reacionarismo que a história pretende denunciar, sem o combater ou sequer compreender, ao passo que, no outro, o jovem Chick (Claude Jarman Jr., um dos mais reconhecíveis menores de idade da era de ouro de Hollywood) está a entrar na adolescência e, quando sua vila é abalada pelo suposto assassinato de um homem branco por um homem preto, adquire à força uma perceção de determinadas questões adultas, para além de ser essencial para provar a inocência de Lucas.

Essa evolução obriga a que Intruder In The Dust seja mais direto e negro, basta dizer que Chick chega a abrir a campa do defunto, contra todos os pressupostos legais, descobrindo-a vazia e forçando uma nova direção na investigação em curso. Quando no início é capaz de dar ordens a alguém com uma cor de pele diferente da sua só por achar que tem esse direito adquirido, no fim tem consciência plena de que existem desigualdades. Um importante exemplo é o de Miss Habersham (Elizabeth Patterson), que, apesar dos seus quase 80 anos, oferece resistência à vontade popular de vingança contra Lucas, expondo a tendência para a despersonalização em dinâmicas de grupo.

O recurso a cenários reais do Mississippi, terra natal de Faulkner, também lhe dá uma vantagem, a apresentação do sul impiedoso é vívida. A queda num rio congelado força o primeiro encontro entre Chick e Lucas. As mansões das famílias brancas contrastam com as barracas das famílias pretas. Areias movediças escondem um corpo sem vida. Por esta altura, Clarence Brown já havia sido nomeado para o Óscar de Melhor Realizador seis vezes, ficando patente um pragmatismo que só a experiência pode atribuir. Sem tribunais, sem melodrama, sem grandes discursos, este filme retrata o estado de coisas com uma crueza extraordinária.

8/10

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