No fim, legendas brancas sobre o azul triste do mar no inverno informam-nos que La Belle Personne foi livremente adaptado dum romance de Madame de Lafayette, o que é curioso pois o filme parece algo antiquado mas não saído do séc. XVII. Ao invés, Honoré não hesita em assumir o seu fascínio pela New Wave francesa e emular o visual dos anos 60 ao ponto de ser difícil durante algum tempo distinguir a época real da ação, até aparecerem carros modernos ou os inevitáveis telemóveis.
La Belle Personne recupera o uso do american shot em detrimento do shot reverse shot, opta pelas cores frias e saturadas ao ponto de parecerem inexistentes, explora o meio urbano, invoca o triângulo amoroso, características intimamente ligadas aos vetustos tempos áureos de Godard ou Truffaut, aqui copiadas sem o espírito revolucionário do primeiro ou o hedonismo relaxado do segundo, apenas com um romantismo fabricado que se revela, às vezes, mais ineficaz do que terno.
Claro que, dado este cenário, ninguém melhor para ocupar o ecrã durante grande parte do tempo do que Louis Garrel. Melhor ator que o padrinho (Jean-Pierre Léaud) e mais bem penteado que o pai (Philippe Garrel), o jovem interpreta um professor de italiano que se relaciona bem com os seus alunos e bem de mais com as suas alunas. Garrel tem um talento admirável para sublinhar os undertones das suas personagens com a mais banal expressão facial e corporal, o que se adequa a este conquistador farsolas.
Quando a misteriosa Junie (Léa Seydoux) chega à escola a meio do período, o professor Nemours fica embevecido com a sua beleza e vê-a cair nos braços de um colega de outra turma, o discreto e educado Otto. Junie foi para Paris morar com o primo Mathias depois da morte da mãe. Prova ou de que o amor cega ou de que os homens não percebem as mulheres, Nemours e Otto tomam o seu sofrimento como fragilidade e estão destinados a ter uma desilusão. Ela sabe o que não quer, mas talvez não o que quer.
O filme começa confuso, tenta estabelecer muitas personagens o mais rápido possível e com demasiados lugares comuns. Surgem várias relações, retratadas com realismo mas sem emoção. Honoré não é Pialat e pouco cria de relevo para além do trio principal, apesar de ser de louvar a sua calma - o tempo passa lenta e indolentemente, como parece a adolescência quando a vivemos, com os seus rituais repetitivos e intrigas risíveis. É uma fase de inquietação, ultrapassada por processos de tentativa/erro.
Junie é uma sobrevivente mas não é uma lutadora, nunca se compromete e toma más decisões. Léa Seydoux é fascinante e faz o filme valer a pena quando aparece no ecrã, só que resta saber se a bela pessoa do título não será antes Otto, que recebe recompensas insuficientes pela honestidade e entrega incondicionais que oferece. O seu destino final chega na forma de musical, uma opção despropositada e de mau gosto, que conspurca um bom momento dramático.
La Belle Personne é, aliás, bastante musical, ouve-se Callas numa aula e a banda sonora é extensa, o que serve também para realçar a suave melancolia destas paixões dolentes numa Paris chuvosa. É pena que Honoré não tenha voz própria e sinta que introduzir enredos secundários aborrecidos é a forma de fazer avançar uma história já de si batida. O filme não tem nada de mais, mas, no fundo, não deixa de ser agradável a espaços, de contar com 2 ótimos atores e de fazer lembrar outros tempos...
6/10
O Jean-Pierre Léaud não é avô do Louis Garrel, mas sim padrinho.
ResponderEliminarÉ verdade - erro corrigido.
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