O que é que acontece quando um dos maiores realizadores russos decide
transpor para o cinema a vida de uma das maiores personalidades históricas do
seu país? Acontece uma obra-prima, claro. Sergei Eisenstein pode nunca ter sido
muito subtil, mas a sua contribuição para uma melhor compreensão do poder da
montagem foi inestimável; por seu lado, Alexander Nevsky, hoje Santo da Igreja
Ortodoxa, é uma das figuras maiores da Rússia Medieval, um príncipe destemido, um
guerreiro imparável e um político cauteloso, que travou e ganhou grandes
batalhas contra a Suécia Viking e a Alemanha Teutónica e que teve de aturar o
(na altura) poderoso Império Mongol, o maior de sempre.
Este filme de 1938 foca-se, acima de tudo, nos contratempos criados
pelos segundos, cuja arrogância culminou em derrota na Batalha do Lago Peipus,
às mãos do exército de Nevsky e do frio extremo da região. Se em Battleship
Potemkin (1925) Eisenstein se tornou pioneiro da pós-produção, organizando som
e imagem de forma metódica para aumentar a tensão de um argumento e sacar uma
resposta emocional tão grande quanto possível do espectador, sendo o maior
exemplo a mítica sequência da escadaria, aqui aperfeiçoa a forma, com conteúdo
verídico, declaradamente nacionalista, redefinindo o drama histórico, com
fundações perfeitamente solidificadas na longa cena do combate sobre o gelo.
Durante meia hora vemos o evoluir de uma guerra com um nível de
detalhe, um sentido de ritmo e uma consistência imagética como nunca antes
visto. Desde os rituais de moralização (com a frieza e confiança de Nevsky,
decidindo correctamente até contra os seus conselheiros, e o doentio fervor
religioso dos alemães católicos a serem realçados), ao nervosismo da
aproximação dos dois lados, passando pelo aparente caos do seu choque, no qual
a câmara acaba sempre por encontrar vestígios de estratégias militares, à queda
dos invasores, despedaçados e engolidos pelo lago, o domínio de Eisenstein de
ideais de montagem tão recentes são prova da sua capacidade de transpor para a
película a nova forma que conjurava na sua mente para esta arte, com os meios
então disponíveis.
É por isso que é, ainda hoje, dos filmes mais influentes de sempre. Vê-se
Kingdom Of Heaven (Ridley Scott, 2005) ou mesmo Lord Of The Rings (Peter
Jackson, 2001-03) e está lá isto tudo, menos as partituras de Prokofiev (uma
desvantagem) e os subtextos que reflectem a sociedade e a cultura de então (são
daquelas coisas que vêm com o território...). Afinal, estamos a falar duma
altura em que a Segunda Guerra Mundial estava iminente e o Estalinismo numa
fase de hegemonia, tornando-se óbvios os paralelismos entre os dois períodos.
Um clérigo chega a usar um ostentoso chapéu com suásticas mal escondidas, numa
clara indicação tanto da Igreja Católica como dos Nazis como insidiosos no
passado e presente da União Soviética.
Claros são também os ataques à religião de Roma, cuja malevolência
autorizava actos inomináveis de violência, como a imolação de crianças.
Eisenstein realça a valentia do povo e idolatra Nevsky, pondo a sua fé na perfeita
imperfeição da humanidade e não em fábulas de cobras falantes e messias em nome
de quem se justifica matar milhões. Há conceitos mais importantes de defender,
como a família, a amizade ou a pátria. A Rússia é implacável, mas fascinante,
como cada plano do realizador e cada frase do príncipe nos lembram. Propagandista
no intuito, relevante e inovador na abordagem histórica, simplesmente brilhante
visualmente, Alexander Nevsky é um clássico para a eternidade.
9/10
Há ainda muito para conhecer, eu não conheço nada de Eisenstein - decerto tenho muito o que ver. Gostei bastante do seu texto, achei-o bastante claro na sua proposta.
ResponderEliminarConheça o meu novo blog: http://eooscarfoipara.blogspot.com.br/
Muito obrigado, espero que gostes :)
EliminarVou certamente dar uma vista de olhos.
Cumprimentos
Já estive por mais de duas vezes para ver este filme e vejo pela tua crítica que vale a pena. A minha filmografia de Eisenstein também é limitada por enquanto, mas tenho dele boas recordações.
ResponderEliminarcumprimentos,
cinemaschallenge.blogspot.com
Gosto também muito do "Ivan, o Terrível", nas suas duas partes, mas ao longo dos anos este "Alexandre Nevski" conseguiu ultrapassá-lo no campo das minhas preferências cinéfilas, provavelmente por ter uma abordagem mais poética do que o anterior. Tenho a banda-sonora do filme e sempre que a ouço consigo vislumbrar aquelas belas cenas da batalha no gelo. Obrigado, em nome dos desconhecedores desta maravilha, por teres trazido este filme à tona. Quem nunca viu deverá colocar toda a urgência nessa descoberta
ResponderEliminarO Rato Cinéfilo
Tenho de ver os Ivans e o Strike, nunca vi. Grande banda-sonora, sem dúvida, também é um aspecto ao qual presto sempre atenção :) Obrigado!
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