domingo, 12 de agosto de 2012

Aleksandr Nevskiy (Sergei Eisenstein, 1938)


O que é que acontece quando um dos maiores realizadores russos decide transpor para o cinema a vida de uma das maiores personalidades históricas do seu país? Acontece uma obra-prima, claro. Sergei Eisenstein pode nunca ter sido muito subtil, mas a sua contribuição para uma melhor compreensão do poder da montagem foi inestimável; por seu lado, Alexander Nevsky, hoje Santo da Igreja Ortodoxa, é uma das figuras maiores da Rússia Medieval, um príncipe destemido, um guerreiro imparável e um político cauteloso, que travou e ganhou grandes batalhas contra a Suécia Viking e a Alemanha Teutónica e que teve de aturar o (na altura) poderoso Império Mongol, o maior de sempre.

Este filme de 1938 foca-se, acima de tudo, nos contratempos criados pelos segundos, cuja arrogância culminou em derrota na Batalha do Lago Peipus, às mãos do exército de Nevsky e do frio extremo da região. Se em Battleship Potemkin (1925) Eisenstein se tornou pioneiro da pós-produção, organizando som e imagem de forma metódica para aumentar a tensão de um argumento e sacar uma resposta emocional tão grande quanto possível do espectador, sendo o maior exemplo a mítica sequência da escadaria, aqui aperfeiçoa a forma, com conteúdo verídico, declaradamente nacionalista, redefinindo o drama histórico, com fundações perfeitamente solidificadas na longa cena do combate sobre o gelo.

Durante meia hora vemos o evoluir de uma guerra com um nível de detalhe, um sentido de ritmo e uma consistência imagética como nunca antes visto. Desde os rituais de moralização (com a frieza e confiança de Nevsky, decidindo correctamente até contra os seus conselheiros, e o doentio fervor religioso dos alemães católicos a serem realçados), ao nervosismo da aproximação dos dois lados, passando pelo aparente caos do seu choque, no qual a câmara acaba sempre por encontrar vestígios de estratégias militares, à queda dos invasores, despedaçados e engolidos pelo lago, o domínio de Eisenstein de ideais de montagem tão recentes são prova da sua capacidade de transpor para a película a nova forma que conjurava na sua mente para esta arte, com os meios então disponíveis.

É por isso que é, ainda hoje, dos filmes mais influentes de sempre. Vê-se Kingdom Of Heaven (Ridley Scott, 2005) ou mesmo Lord Of The Rings (Peter Jackson, 2001-03) e está lá isto tudo, menos as partituras de Prokofiev (uma desvantagem) e os subtextos que reflectem a sociedade e a cultura de então (são daquelas coisas que vêm com o território...). Afinal, estamos a falar duma altura em que a Segunda Guerra Mundial estava iminente e o Estalinismo numa fase de hegemonia, tornando-se óbvios os paralelismos entre os dois períodos. Um clérigo chega a usar um ostentoso chapéu com suásticas mal escondidas, numa clara indicação tanto da Igreja Católica como dos Nazis como insidiosos no passado e presente da União Soviética.

Claros são também os ataques à religião de Roma, cuja malevolência autorizava actos inomináveis de violência, como a imolação de crianças. Eisenstein realça a valentia do povo e idolatra Nevsky, pondo a sua fé na perfeita imperfeição da humanidade e não em fábulas de cobras falantes e messias em nome de quem se justifica matar milhões. Há conceitos mais importantes de defender, como a família, a amizade ou a pátria. A Rússia é implacável, mas fascinante, como cada plano do realizador e cada frase do príncipe nos lembram. Propagandista no intuito, relevante e inovador na abordagem histórica, simplesmente brilhante visualmente, Alexander Nevsky é um clássico para a eternidade.

9/10

5 comentários:

  1. Há ainda muito para conhecer, eu não conheço nada de Eisenstein - decerto tenho muito o que ver. Gostei bastante do seu texto, achei-o bastante claro na sua proposta.

    Conheça o meu novo blog: http://eooscarfoipara.blogspot.com.br/

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    1. Muito obrigado, espero que gostes :)

      Vou certamente dar uma vista de olhos.

      Cumprimentos

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  2. Já estive por mais de duas vezes para ver este filme e vejo pela tua crítica que vale a pena. A minha filmografia de Eisenstein também é limitada por enquanto, mas tenho dele boas recordações.

    cumprimentos,
    cinemaschallenge.blogspot.com

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  3. Gosto também muito do "Ivan, o Terrível", nas suas duas partes, mas ao longo dos anos este "Alexandre Nevski" conseguiu ultrapassá-lo no campo das minhas preferências cinéfilas, provavelmente por ter uma abordagem mais poética do que o anterior. Tenho a banda-sonora do filme e sempre que a ouço consigo vislumbrar aquelas belas cenas da batalha no gelo. Obrigado, em nome dos desconhecedores desta maravilha, por teres trazido este filme à tona. Quem nunca viu deverá colocar toda a urgência nessa descoberta

    O Rato Cinéfilo

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    1. Tenho de ver os Ivans e o Strike, nunca vi. Grande banda-sonora, sem dúvida, também é um aspecto ao qual presto sempre atenção :) Obrigado!

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