domingo, 10 de fevereiro de 2013

Silver Linings Playbook (David O. Russell, 2012)


É apropriado que tenha sido David O. Russell a fabricar um filme sobre novas oportunidades como este. Anteriormente o enfant terrible da Hollywood mais alternativa, parece agora determinado a deixar para trás o seu jovem carácter acrimonioso, que resultou em discussões acesas com George Clooney no set de Three Kings ou Lily Tomlin durante as gravações de I Heart Huckabees e num afastamento, em parte voluntário, em parte devido à má fama, que durou 6 anos. O regresso fez-se com The Fighter, história sobre as tentativas do pugilista Micky Ward em manter a sua conflituosa família unida enquanto lutava para ser campeão de boxe nos anos 80, e o foco estava claramente deslocado para uma realização menos rigorosa, mais orgânica e mais preocupada com o espaço dos actores, o que trouxe um realismo renovado e que não se coibia de evidenciar as falhas e os atributos de cada personagem.

Silver Linings Playbook também beneficia dessa liberdade, fruto da gratidão de Russell pela sua segunda vida profissional, mas os combates para entrar nos eixos outra vez são menos literais que os levados a cabo por Mark Wahlberg e Christian Bale em 2010. Bradley Cooper é Pat Solitano, um professor que, depois de descobrir a mulher com um amante e de o espancar quase até á morte, foi internado num hospício por lhe ter sido diagnosticada bipolaridade. 8 meses depois, tem o aval do tribunal para sair e volta para casa dos pais mais consciente da doença que, afinal, o perturbava desde a infância, e determinado a recuperar o emprego, a correr para melhorar a sua condição física (é curioso como algumas personagens falam dele como se tivesse sido obeso) e a voltar para Nikki, que impôs uma ordem de restrição de 150 metros mas nunca chegou a pedir o divórcio.

Desde cedo fica claro que o interesse do realizador por famílias convencionais apenas à superfície se estende a este filme e a dinâmica entre Pat, a mãe Dolores e o pai Pat Sr. está em constante evolução e estado de incerteza, não por falta de carinho e compaixão, mas por reagirem de formas tão diferentes à mesma situação. Jacki Weaver e a sua ansiedade expectante é a ponte entre as mudanças de humor do filho mais novo e as manias do marido (Robert De Niro numa demonstração do seu alcance como há muito não se via, imprevisível e com laivos de comportamento obsessivo-compulsivo, um rascunho do estado psiquiátrico de Pat). Há um momento entre pai e filho em que o primeiro tenta explicar as formas em que está a tentar aproximar-se e pede desculpa por sempre ter dado mais atenção a Jake, irmão mais velho do segundo, que é verdadeiramente tocante, sem ser demasiado dramático.

Essa qualidade é invariável e, aliada a um humor com timings improváveis (a cena da lareira em casa dos amigos Randy e Veronica) e que assume alguns riscos (de cada vez que Pat acorda os pais a meio da noite desenvolvem-se diálogos surreais, que não deixam de realçar o quão evoluído é o seu estado de bipolaridade), contribui para tornar Silver Linings Playbook num retrato humano preciso e num romance refrescante. Isso e Jennifer Lawrence. Todos e quaisquer adjectivos que se possam utilizar para qualificar a interpretação desta miúda de bochechas rechonchudas, que aqui aparece de cabelo incaracteristicamente preto, ou a genuinidade que emana dela seja em que contexto for, são poucos. É muito raro descobrir um actor/actriz que consegue habitar com inatacável naturalidade qualquer papel que lhe seja atribuído/a, mas, em pouco tempo, Lawrence tem provado ser capaz de o fazer.

Sempre que Tiffany entra em cena, é impossível desviar o olhar. Viúva e ninfomaníaca, promete trazer ainda mais caos ao dia-a-dia de Pat, mas acaba por se revelar o factor reconciliador de que ele precisava para tomar consciência dos erros que cometeu e para deixar de investir emocionalmente em quem não interessa. Fá-lo de forma consciente, reconhecendo em Pat a possibilidade de um amor honesto e tolerante, e ajuda-o, no seu estilo peculiar, sem condicionar as suas escolhas, mas esperando ser retribuída. A gestão dessas expectativas durante a competição de dança para a qual decidem trabalhar em conjunto é fantástica: poderá esse objectivo comum juntá-los, que opiniões têm os pais, que significam estas expressões faciais? Sem relativizar a questão da saúde mental, o argumento chega a um ponto de conforto em que estas personagens endurecidas pela vida conseguem encontrar um merecido final feliz.

8/10

2 comentários:

  1. Eu tenho andado a falhar os filmes dos Óscares de uma maneira inexplicável, sendo este um dos títulos que ainda não tive oportunidade de ver. Mas a tua resenha ainda me motivou mais para ver!

    Sarah
    http://depoisdocinema.blogspot.pt

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também eu, o The Master e o Amour em especial já devia ter visto ao tempo, são de 2 dos meus realizadores preferidos. Fico contente por saber isso :D

      Eliminar