terça-feira, 17 de março de 2015

Investigation Of A Citizen Above Suspicion (Elio Petri, 1970)

Tantas vezes se fala no crime perfeito, aquele tão bem planeado que os seus perpetradores nunca seriam apanhados, que até custa processar uma tentativa, quiçá ainda mais retorcida, de fazer exactamente o contrário. Há dezenas de filmes que se pode associar ao primeiro cenário, desde Les Diaboliques, a Elevator To The Gallows, até um terço de todos os film-noir alguma vez feitos ou a metade da filmografia de Hitchcock. Quanto ao segundo cenário, a simples ideia de alguém cometer um assassinato, por exemplo, e querer ser condenado parece absurda, contrária à lógica. Isto porque esquecemos rapidamente, nestas lides da ficção, que a própria ideia de levar adiante tais desejos já representam, em si, um desvio considerável daquilo que faz sentido para um indivíduo que vive em sociedade.

A partir daí, tudo é válido, dependendo da personalidade e das vicissitudes que acompanham cada um. Ora em Investigation Of A Citizen Above Suspicion somos confrontados precisamente com um homem cuja reputação de incorruptibilidade é tão vincada que vive numa perpétua condição de insuspeição, o que acaba por lhe dar o poder para cometer qualquer tipo de infracção com o mínimo de cuidado possível, pois nunca haverá o atrevimento de o colocar atrás das grades. Gian Maria Volonté empresta a sua energia e cara cerrada ao chefe da polícia que apenas conhecemos como “o Doutor”, tal é a veneração que lhe prestam pela sua dedicação total à imposição da força, que lhe dá espaço para manter apenas uma relação descomprometida com Augusta (Florinda Bolkan), colecionadora profissional de parceiros sexuais.

Louco com o poder, alterado pela exigência do trabalho, a que se junta a agressividade da amante na única réstia de vida privada que tem, com vontade de mostrar a falibilidade do sistema ou simplesmente porque sim, “o Doutor” mata Augusta na cama, com enorme descontracção, dando-se ao luxo de espalhar impressões digitais, pegadas e a arma do crime no apartamento. Claro que fica responsável por resolver o caso e a forma como o departamento lida com as provas mais do que evidentes é tão surpreendente como realista: se fosse uma pessoa normal, o protagonista seria preso em menos de 24h, como é o patrão, há que calar. Ele mesmo tenta arranjar meios de evidenciar os indícios contra si, mas os colegas desprezam tudo em detrimento de perseguir o ex-marido de Augusta ou ligá-la ao líder da juventude comunista local.

Não se pode dizer que o jogo seja prazenteiro para o severo cidadão-modelo, pois as instâncias em que tem sentimentos e acções conflituosas são várias e podem tornar-se confusas, tal como os seus berros e discursos moralistas se tornam cansativos. O maior exagero em que o realizador/argumentista Elio Petri incorre toma a forma de dois finais: “o Doutor” é perdoado ou condenado pelos seus pares? Preferia não ver a segunda hipótese, que surge como um pedido de desculpa pela vileza da primeira. Todos os dias ligamos a televisão à hora do telejornal e vemos, enquanto engolimos a custo um badejo cozido para o jantar, os senhores deste e de outros países banharem-se em luxos e safarem-se de acusações de corrupção com a imunidade adquirida por status quo. Nisto, Investigation Of A Citizen Above Suspicion é continuamente relevante.

7/10

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