terça-feira, 24 de março de 2015

Thirst (Ingmar Bergman, 1949)

Os créditos iniciais de Thirst parecem o prenúncio dum melodrama cheio de movimento e potência sonora, mas não é bem assim. É verdade que Bergman estabelece um lugar temporal específico e turbulento, o ano imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, mas usa-o apenas como pano de fundo para realçar a fragilidade dos conflitos pessoais criados, até porque os seus métodos de desconstrução da narrativa levam-nos para várias cenas anteriores e posteriores e aparecem aqui como precedentes muito mais insistentes e interessantes do que qualquer pretensão incomum a fazer um filme de época.

Efectivamente, identificam-se vários elementos que viriam a ser-lhe caros, embora num estado proveta que não leva Thirst a competir em termos de magnetismo e maturidade com os mais evoluídos The Silence, Persona ou Cries & Whispers. Pego nestes títulos por ver pistas de cada, ora atentem: 1) uma viagem de comboio, com todos os seus momentos mortos e paragens obrigatórias ou forçadas, que é rastilho para catarses; 2) amor/ódio entre duas mulheres que resvala para uma tensão sexual inegável; 3) saltos na cronologia, incluindo flashbacks que ligam um casal às memórias dela com o amante anterior e intermissões que anexam ao presente o destino da amante anterior dele.

Além destas aproximações, resta uma trama bastante desenxabida. Rut é uma ex-bailarina acossada pelo sofrimento que representou enrolar-se com um militar casado e com filhos. Para Raoul todos os homens deviam ter duas mulheres e leva esta teoria tão a sério que a usa como justificação perante a mulher e Rut quando os três se apanham no mesmo apartamento. O seu desplante é enorme, a sua honestidade nem por isso. A brincadeira acaba num aborto com consequências graves. Isto são fragmentos do passado pré-guerra que completam a paisagem repleta de fragmentos de cidades à medida que Rut e Bertil, o actual marido, atravessam a Alemanha, seguindo de Basileia para a Suécia.

Noutro plano, Viola entrou em depressão desde que acabou com Bertil. Consegue afastar-se dum psicólogo manipulador e acaba por conhecer uma lésbica, também ex-bailarina e antiga colega imaginem de quem… A contribuição disto para o conflito entre marido e mulher que, como muitas outras vezes aconteceria com Bergman, assume o papel principal, sendo simultaneamente a perdição e a salvação das personagens, é igual a zero, apenas confirma uma tendência para o atrevimento que ainda se viria a revelar frutífera. Há muitos elementos para absorver em Thirst, contudo o resultado final está longe de ser agradável.

5/10

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