Apesar de não ser o maior fã do
realizador, é impossível abordar o tema do Porto no cinema sem falar de Manoel
de Oliveira e a verdade é que os seus documentários (integrais ou parciais), a
tripla Douro, Faina Fluvial (1931), O Pintor e a Cidade (1956) e Porto da Minha
Infância (2001), espaçados por muitas décadas, são um arquivo ímpar da evolução
da cidade. Como tal, acabam por ser os meus momentos preferidos de toda a sua
filmografia, por representarem, com tanto gosto e através de técnicas
diferentes, seja num preto-e-branco mudo, pela justaposição de fotogramas e
pinturas ou fundindo drama e memórias, o magnetismo do local onde ambos
nascemos.
Para mim, o Porto é um estado de espírito, potente em indústria,
turismo, cultura, gastronomia e arquitectura, onde um rio Património Mundial
encontra o oceano Atlântico, e seis pontes, cada qual única à sua maneira, saltam
as escarpas de uma margem para a outra, margens essas que se fortificaram para depois se abrirem
ao mundo várias vezes ao longo da História, imprimindo no DNA das ruas e das
pessoas uma inexpugnabilidade natural. Tudo isto, Manoel de Oliveira consegue
revelar sem grandes tretas em O Pintor e a Cidade. Há uma necessidade de imputar vanguardismo sobre o
classicismo das tradições, dos edifícios e das mentalidades: nos anos 50,
barcos rabelos conviviam com barcos a vapor, as pontes de ferro D. Luís e D.
Maria Pia do séc. XIX acolhiam os comboios e eléctricos do séc. XX e o futebol enchia
o moderno estádio das Antas tal como uma banda filarmónica povoava o Jardim de
S. Lázaro, o mais antigo da cidade; nos dias de hoje podemos parar num Costa
Coffee junto da barroca Torre dos Clérigos, ver cruzeiros modernos passar ao
lado dos mesmos rabelos de há trezentos anos e atravessar a ponte D. Luís de
metro.
Numa toada “meta” invulgar para a época, a visão de Manoel de Oliveira é
direccionada pela de António Cruz, que seguimos silenciosamente por vários
pontos, e essa confiança é bem depositada: o Porto é cenário de realismo-mágico
e as aguarelas do pintor têm o mesmo registo. Quem conhece, pode ainda
entreter-se com o jogo do “antes e agora”: a antiga configuração elipsoidal da
Praça da Liberdade, o cinema Batalha aberto, a EFANOR, a Praça da Ribeira sem
cubo, a esquina da Rua Mouzinho da Silveira e a Avenida Dom Afonso Henriques
com os mesmos sinais “VESTIR BEM E BARATO SÓ AQUI” nas varandas, entre outros.
Quem não conhece, apreciem. From Porto with lobe, carago.
9/10
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