Que os italianos são uns grandes
artistas, ninguém questiona. Seja qual for a disciplina para que nos viramos,
de certeza que houve algum transalpino que nela se notabilizou de alguma forma.
O cinema é um exemplo (duh). A arquitectura é outro, atestado pelos prémios
Pritzker atribuídos a Aldo Rossi e Renzo Piano, se falarmos apenas nos tempos
modernos. O fascismo impulsionou escolas e padrões estéticos que acabariam por
ser de pouca dura nos anos 40 e a reconstrução em massa das cidades no
pós-guerra foi um período ímpar para novas experiências. Uma obra transversal a
essas convulsões sociopolíticas foi a estação ferroviária Termini, que passou
por demolições com Mussolini e renovações posteriormente.
Por causa dessas contrariedades e
por ser a maior situada na capital Roma, é um espaço público com uma
personalidade única, que De Sica explora neste filme, como se fosse a verdadeira
personagem principal, dentro da qual Jennifer Jones, Montgomery Clift e Richard
Beymer (pré-puberdade e pré-West Side Story) são meros transeuntes. Um caso entre uma
americana casada e um playboy que se perde de amores instantaneamente por quem
não devia, é o mote para este pequeno drama quase em tempo real. Mary espera o
comboio que a vai levar para longe da tentação, mas Giovanni não quer abdicar
da oportunidade única que pensa ter encontrado para ser feliz ao lado de uma
mulher.
O tom contido, nocturno e
intimista remete para Brief Encounter, bem como a história da aventura
extra-conjugal, sendo igualmente recompensador a nível de interpretações e
química. Aqui, o relógio está sempre a relembrar a brevidade da relação, mesmo
pelo meio das indecisões de Mary e os contratempos inusitados que o romantismo
e o desespero geram, incluindo bagagens perdidas, violência física e uma
passagem pela esquadra da polícia, sabemos que o tempo é curto, incontornável,
diáfano, ao contrário dos subterfúgios que um e outro inventam para ficarem
juntos. Desculpem a linha de novela da TVI, mas perceber que temos de abrir mão
do amor da nossa vida é das coisas mais tristes que há.
Por outro lado, que belo local
para tal ponto final. A Termini de hoje retém o amplo hall de entrada, no
entanto o aspecto imaculado de outrora já se foi. Claro que a fotografia a
preto-e-branco irrepreensível, especialmente na captura de raios de luz
artificial, que os postes e as colunas multiplicam por difusão, ajuda. A classe
intemporal de Jones e Clift também. São duas masterclasses de expressão facial
e corporal em situações de dúvida e atracção. A juntar aos diálogos de Truman
Capote e ao guarda-roupa desenhado por Christian Dior, este é o filme mais
modernista de um dos maiores artistas italianos, Vittorio De Sica. E o mais
subestimado.
8/10
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