sexta-feira, 10 de abril de 2015

The Woman In The Window (Fritz Lang, 1944)

Com o surgimento do nazismo na Alemanha e a sua expansão forçada para territórios vizinhos, muitos artistas e técnicos do cinema europeu, em especial aqueles com origens judaicas, decidiram ou tiveram a oportunidade de emigrar para Hollywood. Billy Wilder, Otto Preminger e Fritz Lang são alguns dos exemplos mais óbvios; curiosamente, os três viriam a deixar a sua marca no film-noir, um género notório por mascarar as frustrações da sociedade americana sob histórias de crime, anti-heróis cínicos e um niilismo ubíquo.

Lang voltou a ele imensas vezes, sem grandes flutuações em qualidade. Poucos se podem gabar de ter construído duas carreiras com sucesso, em lugares temporais e geográficos diferentes. Antes de emigrar para Paris em 1934, o realizador alemão puxou o expressionismo aos limites em Dr. Mabuse The Gambler, Metropolis ou M, fundindo os pilares estilísticos estabelecidos com narrativas complexas. Chegado à Califórnia, aperfeiçoa a sua subtileza com Fury e por aí adiante.

Em breve chegaria uma dupla de filmes onde é usado praticamente o mesmo elenco e que solidifica as bases de certos lugares recorrentes do film-noir: The Woman In The Window e Scarlet Street, que contam com Edward G. Robinson no papel de um homem de meia-idade que, por acidente no primeiro e ingenuidade no segundo, se vê a contas com situações para as quais não está preparado, nomeadamente roubo, omissão de factos à polícia, roubo de identidade, chantagem e homicídio.

Enquanto Scarlet Street acaba num tom deprimente, The Woman In The Window finda com um suspiro de alívio. Professor de criminologia, Richard mantém-se preso ao trabalho enquanto a esposa e os filhos vão gozar férias sem ele. Sozinho na cidade, passa o pouco tempo livre que tem num clube de cavalheiros de classe alta. Fascinado com um retrato exposto na montra da loja ao lado, qual não é o seu espanto quando, certa noite, a mulher do quadro aparece reflectida no vidro por se encontrar exactamente ali, no passeio.

Invadido por uma súbita vontade de satisfazer a fantasia que se está a tornar realidade, o professor e Alice (Joan Bennett) deambulam juntos, acabando na casa dela. Quando o ambiente começa a tornar-se mais sexual, algo acontece: um dos amantes de Alice entra de rompante e começa uma luta. Richard espeta-lhe uma tesoura, matando-o. As personagens tentam congeminar um plano cauteloso para que este infortúnio não lhes estrague a vida, mesmo tendo sido em autodefesa. Decidem largar o corpo no campo.

Estou a resumir os 40 minutos iniciais sem lhes conseguir fazer devida justiça. Com isto quero dizer que é uma das mais longas e geniais set-pieces que já vi. O argumento estabelece o desejo carnal, Lang desenvolve-o com uma parcimónia e uma atenção ao detalhe irrepreensíveis e Robinson é honesto mas curioso nas quantidades perfeitas. O ambiente onírico e soturno é de cortar a respiração. Como se isto não fosse suficiente, o resto do filme é um espelho diurno da acção, como noutro dos meus favoritos, Eyes Wide Shut.

Quando o corpo é encontrado, o magistrado Frank Lalor (o grande Raymond Massey), amigo de Richard e sócio do mesmo clube, toma conta do caso e revisitamos os lugares da noite anterior. Estas ironias do destino polvilham The Woman In The Window com um nível de tensão peculiar, brincalhão até (veja-se o cómico escuteiro que passeava no bosque). Regra geral privilegio o negativismo e deveria dar primazia a Scarlet Street, no entanto acho este ainda mais criativo e bem filmado. Lang americanizado e a América sujeita ao “tratamento Lang” no seu melhor.

9/10

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