Com o surgimento do nazismo na
Alemanha e a sua expansão forçada para territórios vizinhos, muitos artistas e
técnicos do cinema europeu, em especial aqueles com origens judaicas, decidiram
ou tiveram a oportunidade de emigrar para Hollywood. Billy Wilder, Otto
Preminger e Fritz Lang são alguns dos exemplos mais óbvios; curiosamente, os
três viriam a deixar a sua marca no film-noir, um género notório por mascarar
as frustrações da sociedade americana sob histórias de crime, anti-heróis
cínicos e um niilismo ubíquo.
Lang voltou a ele imensas vezes,
sem grandes flutuações em qualidade. Poucos se podem gabar de ter construído
duas carreiras com sucesso, em lugares temporais e geográficos diferentes.
Antes de emigrar para Paris em 1934, o realizador alemão puxou o expressionismo
aos limites em Dr. Mabuse The Gambler, Metropolis ou M, fundindo os pilares
estilísticos estabelecidos com narrativas complexas. Chegado à Califórnia,
aperfeiçoa a sua subtileza com Fury e por aí adiante.
Em breve chegaria uma dupla de
filmes onde é usado praticamente o mesmo elenco e que solidifica as bases de
certos lugares recorrentes do film-noir: The Woman In The Window e Scarlet
Street, que contam com Edward G. Robinson no papel de um homem de meia-idade
que, por acidente no primeiro e ingenuidade no segundo, se vê a contas com
situações para as quais não está preparado, nomeadamente roubo, omissão de
factos à polícia, roubo de identidade, chantagem e homicídio.
Enquanto The Woman In The Window
finda com um suspiro de alívio, Scarlet Street acaba num tom deprimente. Caixa
dum milionário do têxtil, Christopher Cross já deu provas de ser confiável e
tem um emprego estável. Só que, a nível pessoal, por muito que o reprima, é
palpável o negativismo. Preso num casamento sem sentido em que a sua
masculinidade é ameaçada diariamente, baixo e pouco atraente, pinta horas a
fio, sonhando com uma carreira como artista e com o amor duma mulher jovem e
bela.
Kitty March entra em cena e é
tudo o que ele desejava… não fosse o facto de se colar a Chris apenas por achar
que ele é um pintor reconhecido e lhe querer sacar umas coroas. É uma
verdadeira femme fatale com más intenções, que Joan Bennett interpreta com
sensualidade e convicção e que, por sua vez, é também manietada por Johnny (Dan
Duryea), um vigarista de meia-tigela. O enredo é bastante espesso e assenta na
ideia de que nem alguém honesto como Chris é de ferro.
Além disso, distancia-o dos filmes
de crime da altura o facto de a personagem principal não sofrer consequências.
Os erros de Chris são imputados a Johnny, o que traz alguma satisfação sórdida,
mas não é verdadeiramente justo. Partidas do destino que deixam um sabor
amargo. Estes dilemas morais e esta psicologia da corrupção são temas caros a
Lang. A fotografia é, como sempre, excelente. O que seria do film-noir sem a
sensibilidade europeia?
8/10
Sem comentários:
Enviar um comentário