quarta-feira, 22 de abril de 2015

The Flowers Of St. Francis (Roberto Rossellini, 1950)

Apesar das extensas nuances bíblicas presentes no neorrealismo italiano, poucos realizadores integrantes desse movimento se aventuraram a retratar figuras católicas. Temos The Gospel According To St. Matthew de Pasolini, que considero, à revelia da opinião generalizada, estar longe de ser representativo da sua carreira, apesar do retrato quasi-anarquista, proto-hippie de Jesus, tal como o próprio autor, e longe de ser dos mais envolventes, repleto de planos repetidos e amadorismo na montagem, apesar de ser baseado num livro com uma estrutura obviamente episódica, dividido em capítulos e versículos. Temos também The Flowers Of St. Francis, sobre o frade italiano que inspirou o nome do 266º Papa, o actual Bergoglio.

Na carreira de Rossellini, as ruínas do conflito armado mais devastador da História começam a dar lugar a ruínas históricas, mas a sua contemporaneidade nunca deixa de ser relevante. Na solidariedade do pós-guerra e na inconstância das relações amorosas e matrimoniais, algo se perde irremediavelmente, ficando pedras pelo caminho para contar a história, e algo nasce, com um optimismo ímpar ou, quanto mais não seja, por puro instinto de sobrevivência (excluindo Germany, Year Zero e o seu alerta para falsas esperanças). 1950 foi o ano mais religioso do realizador: Stromboli caminha para um milagre, The Flowers Of St. Francis segue os passos de um santo e dos primeiros tempos da sua Ordem.

Composto por nove capítulos que se desenrolam como pequenas parábolas derivadas das aventuras e desventuras de São Francisco e dos que o seguem, este filme transporta-nos para a região de Assis no séc. XIII, onde eles se instalam com pequenas cabanas depois de uma tempestade (introdução belíssima pela chuva e pela lama). O estilo jocoso e desprendido da personagem principal influencia as outras personagens e o espectador. Por várias vezes, as melhores intenções originam mal-entendidos cómicos, que são posteriormente corrigidos com orientação para a modéstia e para a fé em Deus. Fica na memória a distribuição das posses do grupo aquando da sua separação.

Enquanto agnóstico, não posso deixar de notar o masoquismo que esta entrega total implica e que sobressai em determinadas situações. Se serem escorraçados dum abrigo ou infiltrarem-se numa casa com o intuito de pregarem a quem não os quer receber e os expulsa com violência é sinal de que estão a fazer algo certo, definitivamente não me posso rever na religião. Contudo, o episódio que parece mais deslocado é o encontro entre o frade Ginepro e o mercenário Nicolaio, cheio de chega-para-lá e respirações ofegantes. Awkward! No cômputo geral, é um filme bem engendrado, rodado fora dos habituais cenários urbanos, mais óbvio quanto a algumas preocupações de Rossellini e quanto ao seu sentido de humor.

7/10

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