Apesar das extensas nuances bíblicas presentes no neorrealismo italiano, poucos realizadores integrantes desse
movimento se aventuraram a retratar figuras católicas. Temos The Gospel
According To St. Matthew de Pasolini, que considero, à revelia da opinião generalizada,
estar longe de ser representativo da sua carreira, apesar do retrato
quasi-anarquista, proto-hippie de Jesus, tal como o próprio autor, e longe
de ser dos mais envolventes, repleto de planos repetidos e amadorismo na
montagem, apesar de ser baseado num livro com uma estrutura obviamente
episódica, dividido em capítulos e versículos. Temos também The Flowers Of St.
Francis, sobre o frade italiano que inspirou o nome do 266º Papa, o actual
Bergoglio.
Na carreira de Rossellini, as
ruínas do conflito armado mais devastador da História começam a dar lugar a
ruínas históricas, mas a sua contemporaneidade nunca deixa de ser relevante. Na
solidariedade do pós-guerra e na inconstância das relações amorosas e matrimoniais,
algo se perde irremediavelmente, ficando pedras pelo caminho para contar a
história, e algo nasce, com um optimismo ímpar ou, quanto mais não seja, por puro
instinto de sobrevivência (excluindo Germany, Year Zero e o seu alerta para
falsas esperanças). 1950 foi o ano mais religioso do realizador: Stromboli
caminha para um milagre, The Flowers Of St. Francis segue os passos de um santo
e dos primeiros tempos da sua Ordem.
Composto por nove capítulos que
se desenrolam como pequenas parábolas derivadas das aventuras e desventuras de
São Francisco e dos que o seguem, este filme transporta-nos para a região de
Assis no séc. XIII, onde eles se instalam com pequenas cabanas depois de uma
tempestade (introdução belíssima pela chuva e pela lama). O estilo jocoso e
desprendido da personagem principal influencia as outras personagens e o
espectador. Por várias vezes, as melhores intenções originam mal-entendidos
cómicos, que são posteriormente corrigidos com orientação para a modéstia e
para a fé em Deus. Fica na memória a distribuição das posses do grupo aquando
da sua separação.
Enquanto agnóstico, não posso
deixar de notar o masoquismo que esta entrega total implica e que sobressai em
determinadas situações. Se serem escorraçados dum abrigo ou infiltrarem-se numa
casa com o intuito de pregarem a quem não os quer receber e os expulsa com
violência é sinal de que estão a fazer algo certo, definitivamente não me posso
rever na religião. Contudo, o episódio que parece mais deslocado é o encontro entre
o frade Ginepro e o mercenário Nicolaio, cheio de chega-para-lá e respirações
ofegantes. Awkward! No cômputo geral, é um filme bem engendrado, rodado fora
dos habituais cenários urbanos, mais óbvio quanto a algumas preocupações de
Rossellini e quanto ao seu sentido de humor.
7/10
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