sexta-feira, 24 de abril de 2015

Lo Sceicco Bianco (Federico Fellini, 1952)

Quando chegou a altura de saltar para a cadeira de realizador, Federico Fellini contava já com um extenso currículo como argumentista, tendo inclusive colaborado com Roberto Rossellini na magnum opus do neorrealismo Italiano, Roma, Città Aperta (1945). Em 1952 estreia o seu segundo filme, Lo Sceicco Bianco, depois de conhecer a sua mulher para a vida, Giulietta Masina, depois de grandes complicações financeiras com Luci Del Varietà (1950), depois de desavenças com Michaelangelo Antonioni quanto ao argumento deste novo projecto… Esta última nota é muito reveladora, porque Lo Sceicco Bianco desenvolve-se como uma versão cómica, a juntar ao final feliz, de La Notte (1961) – com um olhar acutilante, apesar das diferenças de tom, ambos os filmes se focam na dinâmica de um casal, pondo marido e mulher juntos no menor número possível de cenas.

Apesar de ter passado por muitas mãos, Lo Sceicco Bianco é tão característico do divagante e nostálgico Fellini como La Notte do inexorável Antonioni. Wanda, uma ingénua recém-casada, em lua-de-mel com Ivan, em Roma, está decidida a aproveitar a sua passagem pela capital Italiana para privar com o seu ídolo Fernando Rivoli, estrela de uma fotonovela (é verdade, estas coisas existiam há 50 anos e o pessoal adorava!). Ela acaba numa praia a quilómetros da cidade, tentada pela infidelidade, ele desespera por a encontrar enquanto tenta esconder da sua família o desaparecimento da esposa, sem nunca se esquecer que têm uma audiência com o Papa no dia seguinte à qual não devem faltar.

Tal como em La Notte, o mais importante será perceber se estes dois não só se merecem um ao outro como se se amam. Ao contrário de La Notte, em Lo Sceicco Bianco sucedem-se não planos estáticos cheios de figuras solitárias e obras de arquitectura enquadradas com o mais elevado rigor, mas movimento, grandes turbas e situações hilariantes com personagens extravagantes e equívocos dolorosamente humanos. Num momento que só resultaria num filme de Fellini, o tal Xeique Branco do título é-nos apresentado a divertir-se num baloiço, talvez a uma dezena de metros do chão, preso à copa de um pinheiro bravo, donde salta com naturalidade para cumprimentar a protagonista. Como num pedaço de um sonho, magia de cinema – e a magia, quando é bem feita, deixa-nos sempre de sorriso na boca e palmas nas mãos.

Devo dizer que acho que La Notte é um filme fabuloso e, por razões completamente opostas, passarei a usar o mesmo adjectivo para descrever Lo Sceicco Bianco, o que considero ser um testemunho da qualidade de ambos os seus autores. Acima de tudo é claro que Fellini sabia já muito bem o que queria dos seus filmes nesta altura e consegue imprimir, a espaços, uma atmosfera fantasista, sem ainda pôr completamente de lado a narrativa, como viria a fazer em 8 ½, Roma, La Città Delle Donne e por aí adiante. Masina tem uma aparição breve como Cabiria, a prostituta que viria a ganhar o seu próprio filme em 1957 (La Notti Di Cabiria). Lo Sceicco Bianco contém também uma linha que define para mim tudo o que Fellini representa: “o mundo real é o mundo dos sonhos”. Fico-me por aqui.

9/10

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