Dark Passage é comummente lembrado
por ser a terceira das quatro ocasiões em que Humphrey Bogart e Lauren Bacall,
cuja química no ecrã se traduziu num casamento na vida real, contracenaram
juntos e também por ter sido filmado na primeira pessoa durante quase 40
minutos, uma decisão técnica que ainda hoje é rara, quanto mais ser central à
acção durante tanto tempo. Mais do que uma extravagância, esse mecanismo
envolve o espectador na fuga da personagem principal da prisão, para além de
esconder a sua cara.
Não é que a voz de Bogart seja
difícil de identificar, mas aí reside o busílis da questão, o condenado Vincent
Parry apenas adquire o aspecto do mítico actor da Hollywood clássica depois de
uma cirurgia plástica destinada a ocultar a sua identidade e permitir que não
seja apanhado facilmente. O suspense anda à volta do rosto original, que vemos
de relance nas capas de jornais, e não do rosto que é revelado quando as
ligaduras são retiradas. Acusações falsas, antigas e novas, de homicídio
perseguem-no.
Assim dito por alto parece uma
história com detalhes criativos. Olhando de mais perto, os acasos que se
sucedem geram muita incredulidade. Num film-noir é expectável que o destino
suplante as vontades das personagens e mude repentinamente a direcção que
seguiam. Não obstante, pedir que se aceite como normal que Irene Jansen (Bacall)
surja na estrada pronta para dar boleia a Parry exactamente quando este escapa
de San Quentin porque estava a pintar nas proximidades, faz torcer o nariz.
Pior ainda quando o acusado
apanha um táxi horas depois e o taxista mete conversa, deduz o que se passa e
recomenda, sem exigir qualquer recompensa, o médico que fará a operação
clandestinamente e com inefável competência. Sem querer ser demasiado
específico, também é uma desilusão que um filme que tanto promete, com o casal
mais magnético de sempre e truques de câmara inovadores, se possa resumir com o
meme da overly attached girlfriend, afinal a causa de tanta injustiça.
Seria interessante haver tensão
relativamente à veracidade ou falta dela nos argumentos utilizados para
atribuir a Parry o estatuto de criminoso perigoso. Irene declara que sempre
acreditou na sua inocência e somos obrigados a pensar o mesmo. Concluindo,
Delmer Daves assina uma obra inconsistente que, por cada plano exterior
maravilhoso de San Francisco, tem um buraco no argumento. Não é demérito seu
nem dos actores, mas Dark Passage é um underachiever.
6/10
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