domingo, 18 de outubro de 2015

Crisis (Ingmar Bergman, 1946)

Ah, Ingmar Bergman… O expoente máximo do cinema intelectual e o mais aborrecido dos autores concentrados na mesma pessoa, se considerarmos as opiniões dos seus admiradores e detratores lado a lado. Em nome da objectividade, talvez devesse moderar estas divergências e caminhar para um meio termo, mas sinceramente, o sueco realizou 40 filmes ao longo de 38 anos, todos eles, independentemente do género e da idade, com uma ímpar compreensão das relações humanas em todas as vertentes possíveis e imaginárias, por isso confesso a minha dificuldade em aceitar qualquer menosprezo que lhe seja dirigido.

Crisis é a antecâmara dos conflitos pessoais, das interpretações com apontamentos teatrais e dos tons escuros regulados pela mais perfeita iluminação que são transversais a Summer With Monika, Through A Glass Darkly ou Face To Face, mesmo depois da passagem para a policromia. Primeiro cenário: uma vila pacata no interior do país, onde mora Ingeborg, uma mulher estéril e solteira, com Nelly, a filha adoptada de 18 anos que é a sua razão de viver. Certo dia, chega Jessie, a mãe biológica, surpreendentemente equilibrada e disposta a reconstruir uma espécie de família a três na grande cidade, junto ao namorado actor, Jack.

Já nesta estreia é admirável a compreensão crescente que se vai tendo da psicologia de cada personagem, da preocupação de Ingeborg em manter Nelly por perto enquanto esconde a deterioração da sua saúde, das ilusões e desilusões próprias da juventude da rapariga ou da vacuidade letal que Jack cultiva, no fundo do estado de espírito e das amarras que os (as) prendem a todos(as). Bergman tece uma rede de intenções, mal-entendidos, desejos e frustrações com um detalhe notável. Estas pessoas no ecrã têm vida, a eloquência do argumento e o controlo da mise-en-scène, ainda maiores nas décadas seguintes, clarificam e amplificam o nosso apego às suas histórias.

Quanto a problemas específicos da menor maturidade evidente em Crisis contam-se alguns: a narração é dispensável, dá-se relevo ao isolamento da vila ser apenas contrariado pelo autocarro que lá passa diariamente, no entanto as viagens que vão surgindo fazem-se por via férrea e Ulf parece demasiado velho e dessintonizado da vivacidade de Nelly para se assumir como o par adequado. Não é o filme mais evoluído a nível visual, o que não impede o baile de caridade e a noite no salão de ficarem na memória. Nem o amor nem o desprezo por Bergman passam por aqui; este é um pequeno e adorável primeiro filme, mas o início de tanto mais.

8/10

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