segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O Tempo de Coppola

Exprimir uma noção temporal numa forma de arte talvez nunca tenha sido tão desafiante como é no cinema, porque é possível capturar a sua passagem através de movimento visível. Vários realizadores e críticos dedicaram extensas porções dos seus trabalhos a esmiuçar a temporalidade. Andrei Tarkovsky escreveu que “a principal motivação do cinéfilo é a procura do tempo: do tempo perdido, do tempo negligenciado, do tempo a reencontrar.” Se é verdade que cada indivíduo tem a sua própria sensibilidade no que respeita a esta dimensão, torna-se uma luta estabelecer um compromisso entre o inter-relacionamento de momentos e um ritmo que os sirva, cativando a atenção do maior número de pessoas possível.

Francis Ford Coppola tem, com subtil consistência, tentado oferecer significado à narrativa cinemática através da exploração da passagem do tempo como é compreendida em diferentes momentos da vida, para além de adaptar o seu estilo visual para encontrar o tom correto de cada história. Os seus filmes são regularmente sínteses de preocupações relacionadas com a idade. Recorrendo a uma linearidade precisa, propõe-nos constantemente para análise frases, estados de espírito e memórias que, uma e outra vez, ressoam no passado ou no futuro das personagens (que estão sempre condenadas a uma contemporaneidade específica). Coppola privilegia um trabalho de câmara estático e usa o espaço e a montagem de forma a criar a ilusão de comprimir ou esticar o tempo para adicionar suspense. Cada momento vale por si, nunca é um movimento de transição entre atos, mas um presente com implicações e expectativas.

Em The Godfather, o realizador explorou essa linearidade temporal em várias ocasiões com ações simultâneas, mostradas em paralelo e não em sucessão, definindo, no primeiro capítulo, os dilemas morais de Michael e a dualidade dos conceitos de família que herda e que obrigam ao batizado da filha e à manutenção de estatuto através de homicídios em cadeia (“do you renounce Satan?”), ou, no segundo capítulo, as dissemelhanças entre pai e filho, com a mesma idade, a viver em épocas distintas, implicando uma circularidade de estatuto e uma descontinuidade de decisões na estrutura. Em Jack, o tempo adquire duas dimensões em si mesmo à medida que o enredo evolui numa cronologia normal e Robin Williams envelhece quatro vezes mais rápido. Dracula não é mais do que um amor repetido ad eternum por um imortal. Com Youth Without Youth, explorou uma personagem que se torna mais nova inexplicavelmente e pode, com isso, continuar o seu trabalho, que o leva a civilizações cada vez mais antigas, até à origem da linguagem.

Os caprichos do tempo e as técnicas cinemáticas nunca deixaram de estar em questão na carreira de Coppola, o que faz dele um dos mais genuínos intelectuais do cinema. O seu propósito não é um total realismo, nem uma fragmentação altamente estilizada, simplesmente a gestão impercetível do âmago emocional de cada cena para ficarem como que suspensas no tempo. Ao manipular a mise-en-scène e a pós-produção, ao acentuar estas obsessões com personagens conscientes da brevidade ou da infinidade das suas vidas, eleva a nossa perceção da passagem do tempo a um patamar comum, onde somos confrontados com o valor do presente.

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