domingo, 22 de novembro de 2015

Child Of Rage (realizador omitido, 1990)

“The program you are about to see was compiled from the actual therapy tapes of Dr. Ken Magid, a clinical psychologist specializing in the treatment of severely abused children – children so traumatized in the first years of life that they do not bond with other people. They’re children who cannot love or accept love. Children without conscience, who can hurt or even kill without remorse. This film shows the devastating effects of abuse on a child. It also shows that victims can be helped. It is the story of a six and a half years old girl named Beth.”

Quando um filme abre com um aviso destes, o melhor é engolir em seco. Realmente, Child Of Rage não é uma visualização fácil. Apesar de consistir maioritariamente de entrevistas gravadas pelo psicólogo infantil supramencionado na privacidade do seu consultório, o teor das conversas entre ele e uma criança com os olhos mais azuis e inocentes que se pode imaginar é chocante. Não só isso, como também a facilidade dos relatos, sem qualquer sinal de remorsos, medo ou consciência da desadequação e até perigosidade dos seus atos.

O diagnóstico é transtorno de apego reativo, uma condição que pode ser associada a experiências traumáticas na infância e que levam ao desenvolvimento de padrões de comportamento divergentes e de uma enorme inabilidade para formar laços afetivos de qualquer tipo. Beth foi adotada, juntamente com o irmão mais novo, Jonathan, pelos Thomas, Tim e Julia, que não conseguiam ter filhos. Cedo se aperceberam dos graves problemas emocionais da menina em especial, que mata animais com inaudita frieza, se masturba em público, rouba facas e agride Jonathan nos genitais repetidamente.

Ao terapeuta, relata estes episódios e ainda um pesadelo recorrente em que o pai biológico a viola quando tinha apenas 1 ano... Com todos estes dados, o casal que a acolheu é aconselhado a colocar Beth temporariamente num centro de terapia específico para crianças perigosas para si e para os que as rodeiam, onde estão longe das figuras que aprenderam a desrespeitar e onde têm de seguir regras estritas que lhes ocupam os dias e pretendem motivar as respostas emocionais humanas que lhes foram negadas pelos abusos que sofreram.

Os métodos deviam ser explorados com maior detalhe, não só para dar contexto à evidente recuperação que é exibida na entrevista final, em que Beth chora com o doutor Magid ao relembrar a violência que infligiu no irmão, em claro contraste com as conversas gravadas meses antes, mas também para desmistificar as controvérsias que por vezes são levantadas quanto ao papel da psicologia em casos destes. Child Of Rage é um documento chocante e fascinante sobre realidades extremamente difíceis de abordar. É possível evitar que as vítimas de hoje sejam os agressores de amanhã.

7/10

domingo, 8 de novembro de 2015

The Mist (Frank Darabont, 2007)

De vez em quando saem filmes que, de tão maus, chegam a enfurecer. The Mist, a centésima quadragésima nona colaboração entre Frank Darabont e Stephen King, é um conto de terror no qual uma estranha tempestade espalha um nevoeiro denso que esconde criaturas com grande apetite, o que vai forçar um grupo de cidadãos de uma pequena vila a refugiar-se no supermercado local por tempo indeterminado. Logo à partida, quantas vezes é que já se viu esta fórmula? Mas tentemos deixar essa constatação de lado, porque também várias foram já as vezes em que a limitação da história não inviabilizou alguma originalidade (lembre-se o sucesso que foram Shaun Of The Dead ou 28 Days Later no género zombie). Há um ponto relevante em The Mist: o intuito de Darabont em fazer ressoar algumas preocupações da sociedade atual, sendo o exemplo mais óbvio a personagem de Mrs. Carmody (Marcia Gay Harden), cujo extremismo religioso avilta grande parte dos sobreviventes em pouco tempo de reclusão. De lunática bizarra a profetisa em tempo de desespero vai apenas um passinho. É assustador verificar que a humanidade dos que a rodeiam se esvanece rapidamente (ao contrário do nevoeiro, que persiste, imperscrutável) e que a sua palavra passa a ser seguida, apesar de não oferecer nenhuma solução, apenas violência e ilusão. Para além disto, claramente, o medo, do desconhecido, e, por vezes, de outros como nós, é um tema recorrente, havendo ainda espaço para incluir a culpabilização do exército por atividades perigosas e sem ética, facto porventura mais direcionado aos espectadores americanos.

Mrs. Carmody é uma figura muito bem construída. O resto não. Temos meia dúzia de estereótipos que já foram criados há décadas e podemos prever todos os seus diálogos e reações. Temos sempre alguma voz a sublinhar a base psicológica de cada cena, ou seja, o nível de condescendência para com o espectador ultrapassa o tolerável. E temos interpretações carentes e displicentes. Thomas Jane, coitado, não consegue carregar um filme, por muito que tente (e tenta há décadas). Marcia Gay Harden é a atriz menos subtil a trabalhar em Hollywood, mas tem a sorte de isso ser minimamente adequado aqui. Não deixa de ser um prazer polvilhado de ironia e algo depravado ver, depois de anos em ótimos filmes que só não são perfeitos por sua causa (Miller's Crossing, Mystic River), a sua cabeça trespassada por uma bala.

The Mist tresanda a amadorismo por todos os poros. Se viram The Shawshank Redemption ou The Green Mile terão certamente ficado fascinados com algumas das imagens poderosas que evocam, com os grandes planos e o trabalho de câmara sóbrio que os atravessa. Isso não existe aqui. Toda a realização parece improvisada e apressada, como num episódio da série The Unit, mas com noções de cinemática muito mais básicas. Os efeitos especiais são do mais retardado e artificial que alguma vez se viu numa produção milionária deste tipo, como tentáculos pixelizados cujos movimentos não se adequam aos dos atores com quem partilham as cenas. Há falhas no suposto realismo do filme que detraem da experiência, por exemplo um gerador barulhento exceto quando ninguém está a falar ou sacos de comida para cão que se multiplicam do nada conforme a necessidade dos lojistas. Isto sem esquecer os enredos sem solução e lugares-comuns do argumento, que se sucedem a ritmo alucinante. Uma mulher que sai da loja a correr logo no início da trama, e que, milagrosamente, aparece sã e salva nos últimos segundos de película. Soldados suicidas. Um fim deveras irracional e desadequado, que apenas tenta jogar com a nossa pena. Há tanto de problemático, forçado e simplesmente errado com The Mist que é difícil formar qualquer ligação com a ação e emoção que tenta desenvolver.

2/10