Shock Corridor abre com uma frase do poeta grego Eurípides: "Aqueles que Deus deseja destruir, primeiro enlouquece." Por outro lado, também devemos assumir que Deus não envereda por caminhos tão dramáticos sem justa causa, pelo que Johnny Barrett irá perder o juízo por um grave pecado. Qual? A vaidade, certamente. Ele é um jornalista inflamável que decide perseguir de forma insidiosa o louvável sonho de ganhar um Pulitzer. Durante um ano elucubra um plano, que consiste em forçar a sua namorada, a stripper Cathy, a fazer-se passar por sua irmã (pelos vistos, ninguém confere a veracidade do parentesco), pela qual ele estará sexualmente atraído desde tenra idade, o que constitui um óbvio distúrbio mental. O objetivo é ser internado num manicómio onde ocorreu um assassinato por explicar e deslindar o mistério por conta própria. Uma premissa algo rebuscada, que origina uma valiosa viagem pela mente humana. Depois de muito treino na área da psicologia, com o aval do seu arrogante editor, Barrett pensa ter adquirido preparação suficiente para iludir os médicos que o seguirão e para manter a sanidade perante a pressão mental a que se irá submeter voluntariamente e sub-repticiamente. Desde cedo que se torna claro que estava certo quanto à primeira parte e errado quanto à segunda. Cathy apela sempre ao bom senso e à humildade, mas em vão, rodeada que está por proto-prostitutas no trabalho e tubarões com zero de sensibilidade fora dele. Vê-la ajudar, relutantemente e sem receber reconhecimento, o homem que ama para o fazer feliz à medida que o perde gradualmente para a demência é aflitivo.
Fuller é um realizador brusco com muito para dizer. Sem contemplação pela excelência técnica e com um grande sentido prático, faz a história avançar com a secura irónica da pulp fiction, povoando-a de pequenos momentos de melodrama e exploitation (com direito a uma mulher a despir-se em palco e ninfomaníacas algo agressivas), não esquecendo, no entanto, que, por detrás do circo que rodeia Barrett a partir do momento em que entra no State Mental Hospital, estão pessoas. Essa humanização da loucura, herança distante do filósofo francês Michel Foucault, é a força de Shock Corridor e um legítimo pretexto para explorar questões latentes da sociedade americana. Afinal, fora do hospício, o circo é ainda maior e tem ainda mais palhaços.
Três dos reclusos presenciaram o homicídio, mas os métodos da polícia aquando da investigação foram insuficientes para extrair pistas sobre a identidade do perpetrador. Aos poucos, Barrett identifica e socializa com as testemunhas - um jovem que julga ser um general da Guerra Civil americana, um físico que se comporta como uma criança de 6 anos e um preto que adquiriu a personalidade de um membro do Ku Klux Klan. Cada um foi sujeito a provações inumanas e representa os extremos a que pode levar uma má estrutura familiar, o racismo, a corrida às armas nucleares ou a guerra, que são denunciados em pequenos momentos de clareza. Os movimentos de câmara e o enquadramento aproximam-nos da subjetividade de cada paciente, cujos monólogos são conspurcados com sibilinas imagens a cor. O convívio diário com estas realidades, a submissão a tratamentos médicos nocivos e a pressão de executar a tarefa que o levou àquele asilo quebram Barrett, fazem-no acreditar que Cathy é mesmo sua irmã, fazem-no ter lapsos de memória, fazem-no perder a voz e o seu futuro fica cada mais distante da glória que persegue cegamente e mais próximo de ser escravizado pelas quatro paredes que o rodeiam. Na sequência mais simbólica do filme, a tempestade que inunda a alma do jornalista exterioriza-se e invade o estreito corredor principal da ala que habita. Neste momento falsamente catártico, temos a confirmação de que Barrett está perdido. Shock Corridor não é subtil nem particularmente bem feito, mas é de uma eficácia tremenda.
8/10