quinta-feira, 28 de junho de 2012

Child's Play (Tom Holland, 1988)


Chucky é hoje uma das figuras mais memoráveis de sempre do cinema fantástico. A ideia de um boneco que ganha vida e assassina quem o rodeia, acoplada com o aspeto bizarro imaginado para Chucky, fazem deste simultaneamente ridículo e assustador, uma receita certa para o sucesso. O que possibilita que este filme seja mais intenso e adulto do que o conceito pode fazer crer inicialmente é a habilidade do argumento em criar uma relação familiar credível entre a mãe e a criança que acolhem o boneco. A sua relação de confiança é posta em causa por um objeto e extrapola-se ao ponto de parecer aceitável, dados os factos, duvidar de Andy, que é enviado para uma instalação psiquiátrica quando as ações ocultas de Chucky originam casos de polícia. Karen não sabe que mais fazer, primeiro perdeu a melhor amiga em condições inexplicáveis, tendo o seu filho sido a única testemunha humana, agora o Estado tira-lhe Andy, que não se cansa de falar de uma impossibilidade. Vira-se então para o boneco e exige, não uma razão para acreditar num assassino de plástico e movido a pilhas mas uma confirmação, o que constitui uma prova do seu amor de mãe incondicional. Só nesta altura, 40 minutos dentro, é que Karen e o espectador vêm o óbvio mas ainda assim inacreditável acontecer e a face de um brinquedo inofensivo transforma-se na face do terror.

O resto de Child's Play é uma enérgica corrida contra a astúcia de Chucky, que foge do apartamento da família Barclay, e que tem uma personalidade e objetivos bem definidos. Ele é habitado pelo espírito de Charles Lee Ray (Brad Dourif, que também faz um trabalho ímpar com a voz do boneco), um estrangulador que é encurralado, na primeira cena, numa loja de brinquedos pelo polícia Mike Norris e cujos conhecimentos de magia negra lhe permitem transferir-se para outro corpo, neste caso, um inanimado. Mike julga tê-lo capturado sem vida, mas a realidade é bem diferente e muito pouco verosímil, pelo que, quando fica encarregue de investigar as circunstâncias que ligam Andy a mais de um crime, é natural a sua septicidade quanto às declarações do miúdo. Eventualmente sofre na pele a fúria de Chucky, que também o procura por vingança, e liga os dois casos.

Prefiro a subtileza da primeira parte ao estrépito da segunda, mas a progressão do filme é natural e continuamente recompensadora, graças à segurança e diligência da mise-en-scène de Tom Holland, que consegue sempre manter o negrume que este tipo de filmes exige e não o deixa cair no terreno da paródia, como viria a acontecer com as sequelas que inevitavelmente se seguiriam. Não é um prodígio da técnica, mas percebe a ressonância que tinham e têm certos elementos clássicos do cinema dos anos 80 que fazem aparições em Child's Play, como as esquálidas e ameaçadoras metrópoles americanas, com os seus pardacentos arranha-céus e ruas mal iluminadas de noite, os desafios das famílias monoparentais, tão presentes na filmografia de Steven Spielberg, por exemplo, e a necessidade de um maior realismo na abordagem dos métodos policiais e da violência, mesmo no mais estranho dos filmes de terror. É de notar a qualidade dos efeitos especiais, que dificilmente virão algum dia a parecer ultrapassados, o que contribui grandemente para a manutenção da credibilidade de Chucky, o seu aspeto, as suas expressões, o seu movimento, enquanto figura a temer, o que, mais de 20 anos depois, é um feito. Child's Play é o início de um franchise que não foi bem tratado e que caiu na vulgaridade auto-depreciativa, exatamente o que este original de 1988 consegue evitar.

8/10

4 comentários:

  1. tenho horror ao maldito, nunca assisti por trauma de infância, rs.

    ResponderEliminar
  2. O boneco Chucky se tornou um dos ícones do terror dos anos oitenta e este primeiro filme é interessante e tem qualidades.

    Você citou bem a interessante primeira parte do filme que foca no suspense abrindo caminho para o climax de ação comum ao gênero.

    Pena que as continuações se transformaram em piada.

    Abraço

    ResponderEliminar
  3. LOL cleber! Durante algum tempo tive esse problema com o Terminator, mas resolvi-o, aconselho o mesmo, pode ser terapêutico xD

    ResponderEliminar
  4. O terror sofreu muito com sequelas que teimavam em ridicularizar sagas. Mas, teremos sempre os primeiros para recordar. Bela lembrança e bom texto fiquei com vontade de regressar ao mundo deste Chucky.

    abraço

    ResponderEliminar