Dark Shadows abre com um prólogo que explica o background de Barnabas
Collins. Nascido numa família abastada de Liverpool no séc. XVIII, emigra ainda
criança com os pais para o estado americano do Maine, onde estabelecem a vila
piscatória de Collinsport e prosperam economicamente, ao ponto de erigirem no
topo de uma colina sobranceira uma mansão que faria inveja à casa assombrada de
qualquer filme de terror, tal a sua imponência e aparência ameaçadora. É uma
época fértil para histórias com contornos góticos, em que a moda é elaborada,
as regras de etiqueta são rígidas e as intrigas aristocráticas abundam. Johnny
Depp interpreta a fase adulta de Barnabas, cujo charme natural, aliado a fatos
rendados e piropos arcaicos, fazem dele um playboy que atrai Angelique Bouchard,
uma empregada intimidante e impertinente com grandes atributos, e Josette
DuPres, uma angelical descendente de realeza francesa. Enamorado pela segunda,
afasta-se da primeira, sem saber que esta é uma bruxa que, na sua obsessão por
ele, mata a concorrência na esperança de ter o amor de Barnabas. Não o consegue
e enterra-o como um vampiro em jeito de vingança.
É um início brilhante, que sobreviveria muito bem independentemente do
resto do filme como uma curta de grande orçamento e com o inconfundível sentido
estético de Tim Burton. Fast forward para 1972 com as expectativas altas, em
que Bella Heathcote já não é Josette mas sim Victoria Winters, Collinsport é
agora dominada por uma empresa chamada Angel Bay e os Collins se resumem a um
clã de 7 pessoas fechadas nas ruínas do que já foi um casarão com mais de 100
empregados. Elizabeth (Michelle Pfeiffer) é a matriarca de serviço, que tenta,
sem sucesso, manter o irmão, o sobrinho e a filha longe de peneiras que não
podem financiar e as revoluções sociais (musicais, sexuais e eteceteras) que
possam envergonhar a memória dos antepassados. Enquanto realizador que nunca se
inibiu de omitir ou subverter simbologia religiosa quando a oportunidade
aparece (relembro Sleepy Hollow, em que até crucifixos servem para andar à
porrada), Burton explora em Dark Shadows, com maior evidência e claridade do
que nunca, aquele que é um dos seus temas sagrados, mas que fica frequentemente
disfarçado debaixo das habituais doses elevadas de caracterização e delírios
fantasiosos: a família.
Barnabas tem muito tempo para refletir no que o pai lhe dizia sobre a
família ser a única verdadeira riqueza. Demasiado até, sendo libertado, graças à construção de um McDonalds depois de 200 anos num caixão, com imensa sede (e
não é de água) e nenhuma noção das evoluções que o mundo sofreu entretanto
(assim que vê o logotipo vermelho e amarelo da tal cadeia de restaurantes, tão
parecido com outro que vira num livro antigo de bruxaria, toma-o por um sinal
mágico do diabo, vulgo Mefistófeles). Depois do melodrama dos primeiros
minutos, o filme entra num ritmo de sitcom que talvez se assemelhe mais à
novela em que é baseado, ainda que com mais sofisticada e maior quantidade de
comédia, que frequentemente advém da ignorância de Barnabas sobre os tempos
atuais e do choque entre a sua forma antiquada de falar ou vestir com o que é
contemporaneamente aceite. O argumento nem sempre é eficaz a confrontar o
vampiro com os outros Collins (Roger, por exemplo, torna-se bastante
irrelevante) ou a criar uma relação entre ele e Victoria, por quem
imediatamente se apaixona, dadas as semelhanças com Josette, e que foi parar à
mansão para ser governanta de David, o filho de Roger.
Não anda muito longe de uma nova versão filmada de The Addams Family,
com criaturas estranhas que se vão relevando ao longo do tempo e contrastes de
cor que Burton organiza na perfeição, mas com uma dose inesperada de erotismo,
em que até a adolescente Chlöe Grace Moretz é algo sexualizada. É um facto que
a pureza de Victoria acaba por sair vencedora, porque Burton não esquece a
receita de sucesso dos contos de fadas em que trabalhou na Disney, por muito
kitsch e macabros que os seus filmes possam ficar, mas o sexo está bem presente
e é levado ao extremo quando Angelique seduz Barnabas pela última vez (mais
explicitamente, é levado para a secretária, para o sofá, para as paredes, para
o teto, até o escritório da bruxa, que, também imortal, nunca esqueceu o seu
objeto de obsessão e se tornou na dona da vila, estar em fanicos). Afinal, os
vampiros são conhecidos por terem hábitos perversos e quando Eva Green entra em
cena o filme ganha irreverência. Johnny Depp é irrepreensível nesta personagem,
cheio de expressões e gestos que são só seus, como o grande ator/autor que é.
Tal como as suas criações, Burton é um monstro à parte, impossível de não
adorar. Raramente se supera mas nunca desilude.
8/10
Gostei bastante de ler o teu texto, mas sinceramente esperava um pouco mais filme. Tem a estética visual do Tim e um Depp como sempre fantástico, mas por exemplo a parte "sitcom" do filme como referes, prejudicou um pouco a meu ver.
ResponderEliminarAbç
um dos filmes que tenho urgentemente de ver. A dupla Burton/Depp é uma das minhas preferidas do cinema actual.
ResponderEliminarCumprimentos :)
Eu realmente sinto que será mais do mesmo que ultimamente Burton tem produzido. O seu texto extremamente be articulado me incentivou um pouco mais a assistir esse filme, mas com certeza o verei com o pé atrás.
ResponderEliminarObrigado a todos pelos comentários! Reforço que gostei do filme, mas não o considero um dos melhores trabalhos do Tim Burton. O argumento tem algumas falhas, mas a sério, mesmo assim, gostando um bocadinho que seja do Tim Burton, não vejo como se pode sair insatisfeito do cinema :P Os elementos estão todos lá e funcionam bem frequentemente.
ResponderEliminarfiquei curioso
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