sábado, 9 de junho de 2012

Dark Shadows (Tim Burton, 2012)


Dark Shadows abre com um prólogo que explica o background de Barnabas Collins. Nascido numa família abastada de Liverpool no séc. XVIII, emigra ainda criança com os pais para o estado americano do Maine, onde estabelecem a vila piscatória de Collinsport e prosperam economicamente, ao ponto de erigirem no topo de uma colina sobranceira uma mansão que faria inveja à casa assombrada de qualquer filme de terror, tal a sua imponência e aparência ameaçadora. É uma época fértil para histórias com contornos góticos, em que a moda é elaborada, as regras de etiqueta são rígidas e as intrigas aristocráticas abundam. Johnny Depp interpreta a fase adulta de Barnabas, cujo charme natural, aliado a fatos rendados e piropos arcaicos, fazem dele um playboy que atrai Angelique Bouchard, uma empregada intimidante e impertinente com grandes atributos, e Josette DuPres, uma angelical descendente de realeza francesa. Enamorado pela segunda, afasta-se da primeira, sem saber que esta é uma bruxa que, na sua obsessão por ele, mata a concorrência na esperança de ter o amor de Barnabas. Não o consegue e enterra-o como um vampiro em jeito de vingança.

É um início brilhante, que sobreviveria muito bem independentemente do resto do filme como uma curta de grande orçamento e com o inconfundível sentido estético de Tim Burton. Fast forward para 1972 com as expectativas altas, em que Bella Heathcote já não é Josette mas sim Victoria Winters, Collinsport é agora dominada por uma empresa chamada Angel Bay e os Collins se resumem a um clã de 7 pessoas fechadas nas ruínas do que já foi um casarão com mais de 100 empregados. Elizabeth (Michelle Pfeiffer) é a matriarca de serviço, que tenta, sem sucesso, manter o irmão, o sobrinho e a filha longe de peneiras que não podem financiar e as revoluções sociais (musicais, sexuais e eteceteras) que possam envergonhar a memória dos antepassados. Enquanto realizador que nunca se inibiu de omitir ou subverter simbologia religiosa quando a oportunidade aparece (relembro Sleepy Hollow, em que até crucifixos servem para andar à porrada), Burton explora em Dark Shadows, com maior evidência e claridade do que nunca, aquele que é um dos seus temas sagrados, mas que fica frequentemente disfarçado debaixo das habituais doses elevadas de caracterização e delírios fantasiosos: a família.

Barnabas tem muito tempo para refletir no que o pai lhe dizia sobre a família ser a única verdadeira riqueza. Demasiado até, sendo libertado, graças à construção de um McDonalds depois de 200 anos num caixão, com imensa sede (e não é de água) e nenhuma noção das evoluções que o mundo sofreu entretanto (assim que vê o logotipo vermelho e amarelo da tal cadeia de restaurantes, tão parecido com outro que vira num livro antigo de bruxaria, toma-o por um sinal mágico do diabo, vulgo Mefistófeles). Depois do melodrama dos primeiros minutos, o filme entra num ritmo de sitcom que talvez se assemelhe mais à novela em que é baseado, ainda que com mais sofisticada e maior quantidade de comédia, que frequentemente advém da ignorância de Barnabas sobre os tempos atuais e do choque entre a sua forma antiquada de falar ou vestir com o que é contemporaneamente aceite. O argumento nem sempre é eficaz a confrontar o vampiro com os outros Collins (Roger, por exemplo, torna-se bastante irrelevante) ou a criar uma relação entre ele e Victoria, por quem imediatamente se apaixona, dadas as semelhanças com Josette, e que foi parar à mansão para ser governanta de David, o filho de Roger.

Não anda muito longe de uma nova versão filmada de The Addams Family, com criaturas estranhas que se vão relevando ao longo do tempo e contrastes de cor que Burton organiza na perfeição, mas com uma dose inesperada de erotismo, em que até a adolescente Chlöe Grace Moretz é algo sexualizada. É um facto que a pureza de Victoria acaba por sair vencedora, porque Burton não esquece a receita de sucesso dos contos de fadas em que trabalhou na Disney, por muito kitsch e macabros que os seus filmes possam ficar, mas o sexo está bem presente e é levado ao extremo quando Angelique seduz Barnabas pela última vez (mais explicitamente, é levado para a secretária, para o sofá, para as paredes, para o teto, até o escritório da bruxa, que, também imortal, nunca esqueceu o seu objeto de obsessão e se tornou na dona da vila, estar em fanicos). Afinal, os vampiros são conhecidos por terem hábitos perversos e quando Eva Green entra em cena o filme ganha irreverência. Johnny Depp é irrepreensível nesta personagem, cheio de expressões e gestos que são só seus, como o grande ator/autor que é. Tal como as suas criações, Burton é um monstro à parte, impossível de não adorar. Raramente se supera mas nunca desilude.

8/10

5 comentários:

  1. Gostei bastante de ler o teu texto, mas sinceramente esperava um pouco mais filme. Tem a estética visual do Tim e um Depp como sempre fantástico, mas por exemplo a parte "sitcom" do filme como referes, prejudicou um pouco a meu ver.

    Abç

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  2. um dos filmes que tenho urgentemente de ver. A dupla Burton/Depp é uma das minhas preferidas do cinema actual.

    Cumprimentos :)

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  3. Eu realmente sinto que será mais do mesmo que ultimamente Burton tem produzido. O seu texto extremamente be articulado me incentivou um pouco mais a assistir esse filme, mas com certeza o verei com o pé atrás.

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  4. Obrigado a todos pelos comentários! Reforço que gostei do filme, mas não o considero um dos melhores trabalhos do Tim Burton. O argumento tem algumas falhas, mas a sério, mesmo assim, gostando um bocadinho que seja do Tim Burton, não vejo como se pode sair insatisfeito do cinema :P Os elementos estão todos lá e funcionam bem frequentemente.

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