quarta-feira, 20 de junho de 2012

Zorba The Greek (Mihalis Kakogiannis, 1964)


Se houvesse uma escala que medisse o alcance de um ator, Anthony Quinn certamente que chegaria à classificação mais elevada. Desde um árabe revolucionário (Lawrence Of Arabia), a um italiano barulhento (La Strada), a um mexicano manhoso (The Ox-Bow Incident), teve uma carreira muito diversificada, com interpretações sempre pautadas por elevadas doses de volatilidade, paixão e credibilidade. Em Zorba The Greek, para muitos o ponto alto da sua carreira, foi o grego jovial do título.

Quem é Zorba, exatamente? Não se percebe, mas é um homem com muito à vontade e sem papas na língua, o que leva Basil, um escritor inglês com ascendência grega prestes a ir para Creta retomar um antigo negócio de família, a exploração mineira de lignite, a confiar nele para o auxiliar na sua nova aventura, e cujas sonoras gargalhadas e lições de vida fazem dele um compêndio ambulante de sabedoria popular. Aparece de repente e incomodamente, mas é a companhia que Basil quer.

Zorba tem espírito de iniciativa e, com a sua adaptabilidade e conhecimento da cultura e línguas locais, arranja trabalhadores para todos os projetos do seu patrão, que educa e influencia. Transmite-lhe conceitos práticos sobre como administrar subordinados e como se inserir num meio que lhe é estranho, enquanto o direciona para as suas próprias ideias, por vezes aproveitando-se da clemência e ingenuidade do inglês (Alan Bates, novinho e simpático), o que mina a sua honestidade.

É inegável que há entendimento entre ambos, mas a tragédia está ao virar da esquina e o filme é menos cómico e agradável do que as primeiras impressões fazem crer, especialmente depois de cada um deles atrair um interesse amoroso, o mais velho juntando-se com a dona da pensão local, uma mulher tão despreocupada quanto ele, que já teve tantos maridos quanto o número de cabelos do taberneiro, e o mais novo com a viúva mais selvagem das redondezas.

Todos eles têm um destino malogrado pela frente e Zorba é claramente o único capaz de suportar as desilusões da vida. Porquê? Porque não se importa. É aqui que a porca torce o rabo e o filme me perde, parecendo celebrar Zorba e os modos mediterrânicos, que incluem boa música, a omnipotência da religião e vontade de apreciar o que a natureza oferece, mas também, pelos vistos, falta de lealdade nas relações interpessoais, violência motivada por reacionarismo e delírios irresponsáveis.

Basil desbrava um mundo novo, com os seus defeitos, mas impossível de condenar, ou um paraíso estrangeiro que esconde um inferno que foge à racionalidade empertigada anglo-saxónica? Se o propósito é o primeiro, a crueldade e a irresponsabilidade da população local é destacada com demasiada veemência e assusta até um latino como eu; se é o segundo, fazer um homem são passar de espectador a participante conformado, pronto a abraçar esta cultura, é incongruente.

Há que reconhecer que Zorba é cativante e vê-lo dançar ao ritmo da mítica banda-sonora de Mikis Theodorakis tem o seu charme, mas o homem é um inútil. Deve ter passado por muito e dá bons insights sobre o povo, mas também gasta o dinheiro do seu empregador em prostitutas e num plano megalómano de fornecimento de madeira para a reconstrução da mina que dá para o torto. Qual é a sua solução? Dançar outra vez e seguir em frente.

Basil imita-o, numa evolução de carácter que é, então, inconsistente, especialmente depois de presenciar a implacabilidade dos gregos quanto à viúva com quem chega a ter contacto físico (não queria, mas a tentação é muita). Esta é talvez a narrativa que cria mais confusão e melhor mostra quão mal envelheceu o filme. A mulher é ostracizada, sabe-se lá porquê, é perseguida depois de um rapaz obcecado com ela se suicidar e é morta na praça pública por vingança, com o aval de toda a vilória.

A visceralidade da cena ainda hoje é eficaz, é verdade, mas mostra uma realidade primitiva, sexista e provavelmente criada para efeito dramático, já que, por muito limitados que fossem os afazeres, direitos e liberdades das mulheres na altura, custa-me a acreditar que no tempo dos meus avozinhos se degolassem viúvas desta maneira. Ainda mais mirabolante é a impunidade de Basil, um turista que se mete onde não é chamado, e a sua inércia perante tal cena.

Corrompeu o seu código moral e viu-se confrontado com a sua cobardia e fraqueza. Não há nada a celebrar e o verdadeiro sofrimento, o da alma, começa. Pelo menos é o que gostaria de deduzir no final, mas Zorba faz um derradeiro manguito e dança outra vez no areal - o mundo é uma comédia e o riso a melhor resposta. Depende e, dadas as circunstâncias, discordo. Há um tempo para tudo. Entrar em falência com o sangue de inocentes nas mãos não é um deles.

4/10

3 comentários:

  1. Esse filme está na minha lista de filmes para ver há algum tempo, provavelmente logo o vejo. Acredita que nunca vi um filme com Anthony Quinn?

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  2. É um falho meu mas nunca vi este filme. A tua critica não motiva a ve-lo

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  3. Também eu, especialmente depois de o realizador morrer no ano passado, lembrei-me outra vez deste clássico e finalmente vi-o, mas realmente não gostei muito.

    Quanto ao Anthony Quinn, um grande actor que vale a pena descobrir!

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