quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Bringing Up Baby (Howard Hawks, 1938)


De todos os realizadores clássicos de Hollywood, Howard Hawks deve ter o pior rácio popularidade/nomeações para o Óscar de Melhor Realizador. Não que isso seja o derradeiro indicador de qualidade, mas talvez não seja um facto completamente descabido. Os argumentos brilhantemente intrincados e o tom sarcástico dos seus melhores filmes eram elegantes e irresistíveis, fosse qual fosse o género escolhido (e Hawks fez um pouco de tudo, de westerns a noir a filmes de gangsters), mas, em termos técnicos, sempre me pareceram jogar demasiado pelo seguro, com pouca originalidade e uma maçuda repetição de planos médios. Os diálogos, os actores e a entrega dos primeiros pelos segundos dominam a mise-en-scène, às vezes de forma opressiva, como é o caso em Bringing Up Baby.

Cary Grant e Katherine Hepburn são estrelas intemporais e com uma química inabalável como o paleontologista David Huxley e a socialite Susan Vance, respectivamente, e fazem uso da vasta gama de caretas e trejeitos cómicos de que dispõem nos seus reportórios para ilustrarem a forma como as suas personagens, ele mais empertigado, ela mais despassarada, reagem aos gags que se sucedem um a seguir a outro. Susan recebeu um leopardo do irmão pelo correio que tem de entregar à tia, por sinal a milionária que está indecisa sobre se irá doar ou não dinheiro ao museu onde David trabalha. Confessa-se apaixonada à primeira vista e improvisa formas de o manter por perto, o que é uma boa decisão, porque ele é facilmente manipulável ou talvez esteja intimamente desanimado com o seu noivado com outra.

Chega a ser algo patético a forma como David se deixa levar por uma mulher tão claramente incompatível com o seu carácter (claro que no fim ficam juntos), mas esta noção de polos opostos a atraírem-se não é nova no cinema de Hawks, sendo mesmo uma das suas maiores forças; o pior é a incessante barulheira. O filme tem piadas que são prolongadas até ao fim do mundo, lidas a velocidades supersónicas e sensivelmente ao volume de um martelo pneumático em funcionamento. A cena pivô na prisão é o exemplo claro de uma ideia decente levada ao extremo. Claro que tudo isto é caricatural, mas perde o interesse mesmo nesse contexto. O rendimento dos actores é ofuscado pela pouca personalidade de Hawks enquanto realizador. Escusado será dizer que, mais uma vez, não mereceu a consideração da Academia...

5/10

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

LISTAS: Cahiers Du Cinéma (2012)

Pelo 5º ano consecutivo, o top10 da revista Cahiers Du Cinéma conta com um filme português. Depois de Juventude Em Marcha (Pedro Costa, 2008), Singularidades De Uma Rapariga Loira (Manoel De Oliveira, 2009), Morrer Como Um Homem (João Pedro Rodrigues, 2010) e O Estranho Caso de Angélica (Manoel De Oliveira, 2011), é chegada a vez de Miguel Gomes, realizador de Tabu. O filme, que já havia estado em destaque na última edição do Festival De Berlim, onde ganhou 2 prémios, recebe assim mais uma distinção. Interessante também é a dupla presença de Abel Ferrara e o primeiro lugar de Leos Carax, dois realizadores pouco consensuais, mas nunca irrelevantes. A lista completa é a seguinte (por ordem):

  1. Holy Motors (Leos Carax)
  2. Cosmopolis (David Cronenberg)
  3. Twixt (Francis Ford Coppola)
  4. 4:44 Last Day On Earth (Abel Ferrara)
  5. In Another Country (Hong Sang-Soo)
  6. Take Shelter (Jeff Nichols)
  7. Go Go Tales (Abel Ferrara)
  8. Tabu (Miguel Gomes)
  9. Faust (Alexander Sokurov)
  10. Keep The Lights On (Ira Sachs)

domingo, 25 de novembro de 2012

The Lion King (Roger Allers, Rob Minkoff, 1994)

Foi no Cinema Trindade, entretanto fechado, que fui ver O Rei Leão, andava ainda na escola primária. É uma das minhas grandes memórias do poder da Sétima Arte - não apenas em mim, que fiquei embasbacado a olhar para o enorme ecrã assim que a música Ciclo Sem Fim, interpretada pela Ana Paulino na versão portuguesa, começou a tocar, acompanhada de imagens de dezenas e dezenas de animais de todas as cores e feitios a caminhar na mesma direcção, mas também na audiência que me rodeava, maioritariamente composta por outras crianças de bata. Vi o bruta-montes da minha turma chorar com a morte do Mufasa e nunca mais o vi da mesma forma. Comprei o VHS e a caderneta de cromos, coleccionei os tazos e os bonecos que saiam nos cereais.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Four Nights With Anna (Jerzy Skolimowski, 2008)

Para muitos, o nome Skolimowski não dirá muito. Alguns talvez se lembrem de o ver nos créditos de Knife In The Water como escritor, ou de Eastern Promises como actor; ou talvez não. Seja como for, este veterano polaco, pertencente à geração de Polanski, Zulawski e Kieslowski (três realizadores igualmente talentosos, todos com carreiras e vidas muito distintas), já não fazia cinema há 17 anos, e os seus filmes, de qualquer forma, nunca tiveram muito sucesso comercial.

Este regresso pouco badalado revelar-se-à merecedor de ser celebrado para quem ousar descobrir Four Nights With Anna. O filme, produzido por Paulo Branco, conta, de forma muito livre, a história dum funcionário do crematório hospitalar, Leon, que aparenta ter uma obsessão amorosa por uma enfermeira sua vizinha, com quem nunca fala mas parece ter uma ligação misteriosa, progressivamente revelada através de interlúdios anacrónicos que não conseguimos situar nem no passado nem no futuro, inicialmente. Leon é um solitário, um pouco desastrado, e, acima de tudo, muito silencioso.

No entanto, é incrível como o silêncio pode ser revelador - Skolimowski sabe-o e Four Nights With Anna avança com tanta compaixão por Leon e minuciosidade em relação aos esquemas que ele imagina para se aproximar da sua amada sem que ela perceba, que não são mesmo precisas palavras. Afinal, o cinema é um meio visual. Skolimowski não filma grandes diálogos, não tece grandes julgamentos, torna a transgressão compreensível e filma apenas desolação e amor que bate num muro, assolapado e não retribuído.

9/10

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

FOTOGRAFIAS: Star Wars

Por momentos pensei "quem me dera ser o Chewbacca ou o Peter Mayhew"... qual dos 2 o pior, mas que sorte aqui!

Já o Darth Vader teve de se contentar com um chocho do realizador Irvin Kershner. Talvez explique o seu habitual ar carrancudo.

domingo, 18 de novembro de 2012

CURTAS: La Première Nuit (Georges Franju, 1958)

Georges Franju tinha um talento especial para encontrar o lado surrealista na mais brutal das imagens; seja no contexto da ficção ou do documentário, os seus filmes estão impregnados com um desejo de expressionismo inédito no cinema francês, tipicamente mais poético e romântico, do qual Franju também não se distancia completamente. Esta fórmula validou-lhe um estilo único e creio que esta curta, lúgrube e melancólica, basicamente muda, sobre um menino que deambula pelo metro de Paris enquanto procura o seu interesse amoroso, é dos trabalhos mais relaxados e acessíveis do realizador.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

The Dictator (Larry Charles, 2012)


Sasha Baron Cohen não é conhecido pela sua subtileza e, sob essa perspectiva, The Dictator não desaponta. Depois de Ali G, Borat e Brüno, tudo personagens anteriormente em destaque no programa televisivo Da Ali G Show que tiveram direito a filmes próprios, o Almirante General Aladeen, líder supremo da ficcional República de Wadiya, é a primeira instância de um veículo primariamente cinematográfico na carreira do cómico britânico. Perdido está o estilo documental escolhido para adornar os seus dois últimos argumentos, adequado para seguir as aventuras e desventuras de um ingénuo jornalista cazaque obcecado com Pamela Anderson ou de um extravagante repórter austríaco pelo mundo da moda, mas que não faria tanto sentido na presença de uma história menos episódica e mais convencional (mas nem por isso menos atrevida) como a de The Dictator.

Depois de uma introdução inicial hilariante em jeito de biografia da personagem principal, que inclui uma entrevista com Larry King sobre um suposto programa atómico (não sei porquê, parece-me familiar) e um vislumbre da Plaza de España de Sevilha transformada num palácio presidencial no meio do deserto com cúpulas islâmicas nas torres, percebemos que as Nações Unidas acabam de ameaçar Aladeen com acções militares caso este não desista, de uma vez por todas, de querer desenvolver bombas atómicas. Determinado a fazer vencer a sua vontade no mundo como faz no seu país natal, viaja para Nova Iorque, onde é vítima de uma conspiração destinada a derrubá-lo e a empossar o seu tio Tamir (Ben Kingsley, sempre a manter a posse de estadista que falta ao sobrinho barbudo). Seria o fim da tirania e o início da democracia na nação africana, uma heresia que tem de ser travada, pois o povo de Wadiya adora ser oprimido.

Perdido numa terra estranha, Aladeen é obrigado pelas circunstâncias a misturar-se, a ser menos racista, a ser menos sexista, a confiar em terceiros, a trabalhar, no fundo a confrontar a sua própria solidão e ridicularia: é um homem que toda a vida teve tudo o que queria, todos os caprichos atendidos, mas sem alguém para amar, e é um líder respeitado apenas superficialmente, adorado como um ídolo falso, arauto da ameaça e do medo. Aliás, o seu distanciamento da realidade é tal que se reflecte não só numa evidente falta de compreensão da vida dos seus súbditos como até na aparente dificuldade de processar o conceito de morte, por exemplo. Aladeen e Borat estão unidos pela extrema ingenuidade, a diferença sendo que o primeiro parece muito mais perigoso e ambíguo pelo poder que tem e pelas questões sociais e geopolíticas a que alude.

Espaço para a sátira é o que separa The Dictator dos três filmes anteriores com Cohen como protagonista. Do seu talento enquanto actor nunca houveram grandes dúvidas. Do seu timing cómico e capacidade de chocar muito menos. No entanto, sempre me perguntei se alguma vez conseguiria dar substrato às suas piadas e deixar de ser excessivo sem propósito. O discurso que pretende realçar as diferenças entre Wadiya e os EUA mas que acaba por os aproximar ("imaginem se a América fosse uma ditadura: podiam deixar 1% das pessoas ter toda a riqueza, podiam ignorar as necessidades dos pobres (...), podiam torturar prisioneiros estrangeiros") é magistral em provar que sim. Claro que não deixamos de ter linhas com contornos ofensivos ("vais ter um menino ou um aborto?") e cenas de humor duvidoso (o general e a sua apaixonada a trocarem olhares enquanto realizam um parto vem-me à mente), é impossível seguir Cohen por todos os caminhos que ele escolhe, mas não escondo o sentimento de satisfação pela sua descoberta de mais equilíbrio e sagacidade. Ganham também com isso o filme e o espectador.

7/10

IMDb 

sábado, 10 de novembro de 2012

TOP5: Curtas Documentais

05. À Propos De Nice (Jean Vigo, 1930)
Nem todos os documentários precisam de ter uma história para contar ou uma mensagem a passar: À Propos De Nice é uma elegia cinemática à cidade do Sul de França, que o malogrado realizador Jean Vigo via como encantadora mas talvez a sofrer com o turismo excessivo. Numa mistura de humor e surrealismo, vemos as praias e as avenidas, mas também fábricas e operários por vezes esquecidos num cenário tão veranil.

04. Douro, Faina Fluvial (Manoel de Oliveira, 1931)
81 anos depois, ainda é possível discutir esta curta com o seu realizador. A longevidade de Manoel de Oliveira é deveras impressionante, mas mais surpreendente será o ritmo fervilhante com que há tantas décadas atrás filmou a cidade do seu coração. Douro, Faina Fluvial é actividade e movimento, do rio sob a ponte D. Luís I, dos barcos rabelos na água e da câmara (não será esta uma das primeiras instâncias do uso de câmara tremelicosa?), o que não deixa de ser irónico, considerando a indolência dos últimos filmes do português.

03. The House Is Black (Forugh Farrokhzad, 1963)
O dia-a-dia numa colónia de leprosos é filmado por Farrokhzad com profunda compaixão, mas também alguma curiosidade. A narração insinua que os habitantes encontram conforto na religião e agradecem a Deus por estarem vivos. Não são tristes aquelas pessoas que às vezes ficam tão imersas nas suas vidas que egoisticamente se esquecem do quão privilegiadas são realmente?

02. Chernobyl Heart (Maryann DeLeo, 2003)
Esta curta vencedora de um Óscar causa arrepios, é de uma frieza inaudita, mas adequada ao material. Afinal, lida com as consequências na população bielorrussa do maior desastre nuclear da História. Logo a abrir, uma viagem pela zona de exclusão, onde vemos a central ao longe e medições de radiação (uns milhares de vezes superior ao aceitável). É uma introdução imponente, a que se seguem imagens deprimentes dos hospitais, orfanatos, escolas e asilos que albergam bebés, crianças e adolescentes ainda hoje física ou mentalmente afectados pelo acidente. A electricidade foi uma descoberta fenomenal, mas, considerando os riscos, o uso da energia nuclear como fonte continua a ser controverso.

01. Night And Fog (Alain Resnais, 1955)
O horror do Holocausto nos 32 minutos mais arrepiantes que é possível imaginar. Resnais contrapõe imagens e vídeos de arquivo com imagens e vídeos filmados por si apenas 10 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, perpetuando a memória do que aconteceu. François Truffaut chamou-lhe "o melhor filme de sempre".

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

TRAILERS: Side Effects (Steven Soderbergh, 2013)

Da mesma dupla de realizador/escritor de The Informant! (2009) e Contagion (2011), eventualmente os dois filmes mais idiossincráticos e ressonantes de Steven Soderbergh dos últimos 10 anos, chegará em breve este Side Effects, sobre uma mulher farmacodependente. Este poderá (ou não...) ser o último filme de Soderbergh durante algum tempo, que admitiu recentemente sentir necessidade de recalibrar energias.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Hors Satan (Bruno Dumont, 2011)


Em verdadeiro espírito Bressoniano, o filme começa com um plano de mãos. Primeiro, a dele a bater à porta. Depois, a dela esgueirando-se para fora a empunhar uma sande. Acções a definirem rituais do dia-a-dia a definirem a ordem que as personagens procuram nas suas vidas mas que acaba sempre por ser quebrada, tornando a busca pela sua recuperação, na segurança de rotinas quotidianas, ainda mais incessante. Andar, por exemplo, caminhar, até à bouça, até ao silo, até a praia, mais, até mais longe, estrada acima, estrada abaixo. Pode ser que no fim se chegue a algum lado.

Os filmes de Dumont são povoados por imagens violentas, retratos de actos violentos, partos de pessoas banais que parecem estar em luta com a maldade com que, por esta ou aquela razão (ou mesmo por nenhuma razão em particular), se lhes atravessou à frente, porque o pecado pode encontrar-nos no outro lado do mundo (Flanders), pode morar na casa ao lado (Humanity) ou até dentro de nós, como parece ser o caso em Hors Satan. Ele (sempre anónimo) é feito de contrariedades e tão fácil de gostar como de odiar - não por factores subjectivos, simplesmente por ser capaz do melhor e do pior.

O ritmo é lento e o som totalmente diegético, para evidenciar a ausência de juízos de valor nas seguintes comunhões maniqueístas: justiça disfarçada de homicídio, um espancamento seguido de um exorcismo, luxúria contrabalançada com um milagre, entre outras. Só sabemos o que o título nos diz - o maior desejo é o de praticar o bem. Talvez seja o trabalho menos interessante de Dumont em termos de história (Twentynine Palms não conta, pois a economia nesse filme é tal que consome qualquer vestígio de história), mas a personagem principal é a mais completa que já criou.

Lembrei-me de The Last Temptation Of Christ (Martin Scorsese, 1988), em que só sabemos que estamos perante o messias porque é identificado pelo nome e por episódios bíblicos amplamente reconhecíveis. Se assim não fosse, teríamos apenas um homem, em conflito consigo mesmo, desesperado por ser uno com a natureza que o rodeia. Em Hors Satan é igual, com um redobrado sentimento de incerteza, porque o ambiente é mais suave e verdejante e a introspecção é proibida. Mais um filme fascinante, cru, rico em textura e significado, para o espectador paciente.

8/10