domingo, 7 de abril de 2013

Dancer In The Dark (Lars von Trier, 2000)


É certo e sabido que Lars von Trier se tornou, graças aos seus filmes e à sua personalidade, num realizador polémico, mas o que o separa é a intencionalidade. Ninguém tenta chocar mais do que ele; fá-lo com tanta convicção que acaba por congregar vários cinéfilos, instigados pelo inegável poder das suas histórias e idiossincrasias, e com tanta ferocidade que consegue alhear muitos outros, repelidos pelo carácter repetitivo de temas como a humilhação e por declarações tempestuosas.

Desagrada-me a manipulação injusta seja no que for, isto é, a distorção ou omissão de factos para apoiar uma hipótese que objectivamente não tem pernas para andar. Pior ainda é quando se dá azo ao trauma para condicionar o julgamento de outrem. Em Dancer In The Dark vemos Bill (David Morse) fazer isso mesmo com a sua mulher, levando-a a crer que é morto por ganância, quando na realidade não tinha era coragem de admitir que estava na penúria.

Parece-me compreensível que alguém se sinta colocado pelo realizador numa posição semelhante. Björk é Selma Jezkova, emigrante checoslovaca nos EUA, a juntar dinheiro para que o filho seja operado à condição oftalmológica hereditária que a está a levar à cegueira. Infelizmente, o seu senhorio tem demasiados problemas financeiros e psiquiátricos e não resiste a roubá-la, o que é particularmente desumano considerando a inocência imaculada e espírito sonhador da inquilina.

A passividade com que esta encara a situação é que torna Dancer In The Dark exasperante. Lars von Trier é um misantropo e esforça-se por criar uma personagem feminina incensurável que é ameaçada pelo meio e por pessoas que a rodeiam, mas que só acaba subjugada por culpa própria. É difícil de aceitar que Selma esconda tudo e mais alguma coisa do filho Gene, da amiga Kathy (Catherine Deneuve) ou do tribunal. Leio comparações com Dreyer, mas não me lembro de Joan Of Arc ser queimada por se calar…

Se a ré não conta a sua versão ao júri e ao juiz, é impossível o sistema funcionar a seu favor. Vermo-la ser apertada pelo advogado de acusação é suposto revelar algum tipo de cinismo na justiça americana? Selma é sujeita a provações chocantes, mas é importante não sermos susceptíveis ao ponto de acharmos que é presa por crimes que não cometeu pelo que quer que seja para além da mesquinhez do argumento, que estica os limites da abnegação até ser um sacrifício dispensável com um preço exagerado.

A relação da personagem principal com Bill é interessante, incluindo a violenta conclusão; a partir daí o filme é um desastre de intenções. Para desconcertar ainda mais os sentidos, Dancer In The Dark foi planeado como um musical. Björk faz chorar as pedras da calçada com a sua interpretação, mas também assina uma banda-sonora que não fica a dever nada a alguns dos seus álbuns e que é cantada nos momentos mais inesperados, incluindo no corredor da morte.

Quanto a isto, vou citar Fernando Pessoa: “primeiro estranha-se, depois entranha-se.” De todas as ideias mais tresloucadas de von Trier, esta subversão de um género em decaimento, por regra pouco compatível com dramas de cortar os pulsos, acaba por ser das mais engenhosas, pelo contraste abrupto com o realismo das cenas-chave. Lembram-me os interlúdios em Code Unknown (2000); só lamento que haja filmagens com tantas câmaras diferentes a tornar a fotografia inconsistente.

Confesso admiração pela audácia deste filme, bem como por The Idiots, Antichrist, etc. Todos eles contêm momentos em que alguém diz ou faz exactamente o que não tem direito de dizer ou fazer, nas piores alturas possíveis, e o impacto emocional que isso causa não é merecedor de críticas, pelo contrário. Por outro lado, não pode cegar-nos para o contexto, que é frequentemente contraditório e mal direccionado. Afinal, isto vem do homem que nega odiar mulheres, mas apelida a mãe de puta.

5/10

2 comentários:

  1. Epá... penso que não disfrutaste deste filme, que é mais artístico enquanto vontade de subjugar a condição humana do que propriamente se o estar a ver para racionalizar o que vai sucedendo. Aqui a protagonista, decidiu abnegar-se em prol do futuro do seu filho... e faz isso até ás últimas consequências, como única forma de dar o melhor ao filho sobre uma doença que a tem herdada por ela, a mãe. Quando temos de ajudar alguém nos seus termos, só resta compactuar ou não ajudar...
    Bjork brilhou neste filme magnifico.

    Eu acredito que exagerei sobre os sentimentos e classificação que dou a este filme mas... 10/10!

    em tempos disse umas coisitas sobre este filme lá no meu blog:
    http://armpauloferreira.blogspot.pt/2009/12/cinedupla-dogville-dancer-in-dark-lars.html

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    1. Não exageraste nada, se gostas do filme deves dar uma classificação de acordo com isso :) Para mim não é uma questão de racionalizar mais ou menos, simplesmente acho o filme extremamente incoerente a vários níveis e de um dramatismo forçado, manipulador e fatigante. Não vejo a protagonista a sacrificar-se pelo filho, vejo o Lars von Trier a meter os pés pelas mãos com a história. Não percebo que sentido faz a mulher calar-se: ficou sem o dinheiro, o filho vai ficar sem mãe e ela vai morrer! Isto é estúpido! mas concordo com o que dizes sobre a Björk na tua crítica :)

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