A qualidade cinemática das
piscinas é inegável. O azul claro do fundo e a ondulação tênue da água podem
transmitir calma ou incerteza, consoante o contexto, e, num filme como La
Piscine, onde actores mais-que-perfeitos como Alain Delon e Romy Schneider
passam horas a mergulhar e a nadar enquanto sopra uma brisa veranil perto de
Saint-Tropez, condicionar a nossa percepção da passagem do tempo pela repetição
de um simples movimento. Como o filósofo Gilles Deleuze teorizava, o movimento
subordina o tempo no cinema quando a dinâmica das personagens ou objectos estão
conectados pela montagem a um centro, que pode ser afectado por ou reflectir
algo. Esse centro não precisa de ser um organismo, pode ser um espaço, como o
apartamento que liga várias histórias em Vive L’Amour (Ming-Liang Tsai, 1994),
nem sequer precisa de ser corpóreo, pode ser uma ideia, como o conceito da
greve em Strike (Sergei Eisenstein, 1925). A existência de um centro à roda do
qual a dinâmica das personagens ou objectos se relacionam deslinda padrões de
acção-reacção e, daí, nasce o enredo.
E quantas vezes não vimos já esse
espaço aquático confinado, que tanto serve para diversão, como para desporto,
como pretexto para ver alguém em trajes menores, como até para matar alguém por
afogamento, ser o centro das atenções? Realmente é o que acontece aqui, a
piscina da mansão emprestada onde Jean-Paul e Marianne passam férias é presença
activa ou passiva em quase todos os momentos, de início porque o jovem casal
(nesta altura já não o eram fora da tela, mas continuavam a exibir uma química
incrível, como se vê nos avanços e recuos, beijos e amassos quando ainda estão
sozinhos), mais tarde por atrair a estadia do amigo Harry (Maurice Ronet) e da
sua filha adolescente (Jane Birkin), e no fim por ser explorado o seu lado mais
negro e alguém lá morrer numa noite que tinha condições para ser o mais
pacífica possível, como as anteriores.
Tirando isso, pouco acontece. Ou
seja, abraçamos a indolência com tanta satisfação quanto a que Jean-Paul e Marianne
dedicam às suas férias, perdemo-nos a olhar para estes modelos, a apreciar a
paisagem da Cote D’Azur, a desejar saltar para a piscina, que falhamos as
intermitências desta união e que são logo apontadas quando ela nem hesita em
convidar terceiros, que vêem claramente estragar o isolamento que ele estaria a
congeminar. Este é um filme de crime, não fosse o realizador Jacques Deray um
habitué do género, um pouco como Swimming Pool (François Ozon, 2003) só que
menos meta, todavia é também um filme existencialista, como La Notte
(Michelangelo Antonioni, 1961) só que em fase de namoro. Jean-Paul não é tão
confiante quanto parece e Marianne duvida mais do futuro da relação do que diz.
O crime surge bruscamente e não tem repercussões jurídicas. Cai, isso sim, como
uma bomba entre os protagonistas, que terão de decidir se os dois anos de união
são para continuar ou não passaram de um vazio (mal) dissimulado. E assim, a
piscina desaparece – o seu trabalho está feito.
8/10
Sem comentários:
Enviar um comentário