Quando se fala em cinema dos anos
90, é inevitável falar daquela que é hoje denominada como a geração VHS.
Efectivamente, a proliferação de cópias de todos os filmes e mais alguns na
década anterior graças a esse formato de vídeo permitiu que vários jovens com
espírito autodidacta desenvolvessem as suas próprias opiniões e o seu próprio
gosto de forma independente. Paul Thomas Anderson, Quentin Tarantino, Kevin
Smith, entre outros, dispensaram a ingressão no ensino superior e passaram
directamente detrás de balcões de clubes de vídeo ou lojas de conveniência para
detrás das câmaras, já munidos de conhecimento suficiente para conseguirem materializar
os seus primeiros filmes e tornarem-se na voz (ou vista) da juventude.
Richard Linklater foi um deles e
Slacker foi um ponto de viragem na carreira. A sua segunda longa-metragem
desafia qualquer definição e é produto dum zeitgeist muito específico. Hoje
tornou-se lugar-comum dizer que a última década do séc. XX foi também a última
culturalmente relevante; não vou tão longe, todavia ficou marcada por uma
irreverência juvenil, uma despreocupação urbana e uma esperança quanto ao
futuro que contribuíram para estabelecer novos horizontes artísticos. Para
Linklater era mais importante captar essa atmosfera, as calças de ganga, o
grunge, a MTV, os baldas, os fanáticos das conspirações, no fundo focar-se nas
pessoas e deixar de lado as convenções da técnica e da escrita.
Um jovem está a chegar a Austin,
sai da central de camionagem e apanha um táxi. Fala pelos cotovelos sobre
sonhos e realidades paralelas, apesar de o condutor se manter mudo. A viagem
acaba num cruzamento, a tarifa é paga e, num daqueles acasos bizarros, outro
carro atropela uma velhota no mesmo sítio e continua a sua marcha. As reacções
dos espectadores são variadas, a câmara vira 180° e o tal carro está a
estacionar no fundo da rua, depois de ter dado a volta ao quarteirão. O
condutor passa a ser a personagem principal. A cada esquina, a cada encontro
conhecemos alguém novo que toma conta do filme e tenta (nem sempre com sucesso,
é verdade) captar a nossa atenção com as conversas do mais aleatório imaginável.
O verdadeiro Slacker é a câmara,
que deambula pela cidade sem destino, sem horários, sem compromissos. Apenas
consigo encontrar precedentes para esta sensação de liberdade total em Easy
Rider. Tanto um como outro adquiriram, com o tempo, um travo de extravagância
anacrónica, mas, quanto mais não seja, continuam a ser objectos fascinantes
exactamente por nos transportarem para outra dimensão. Falamos tantas vezes no
Portugal profundo, é-nos próximo e sabemos que, longe do litoral, existe um
país diferente, mas a América profunda também tem imensos contrastes que, regra
geral, só conhecemos através do cinema. Mais do que os seus contemporâneos,
Linklater oferece outro olhar sobre o mundano.
7/10
Gosto do trabalho de Linklater, mas ainda não assisti este filme.
ResponderEliminarVou procurar.
Abraço