A música electrónica dos Daft
Punk sempre esteve envolvida por uma estética robótica que ultrapassa os ritmos
repetitivos e as letras tecnológicas e se estende aos uniformes pretos e
capacetes espaciais que o duo enverga onde quer que vá, como se tivessem
acabado de sair da fábrica e não de casa ou dum camarim. Quase como que
lembrando os fãs de que estão pessoas por baixo de todo o aparato, ou talvez
realçando a crescente capacidade de improviso, decidiram batizar o seu terceiro álbum de Human After All. Essa curiosa, talvez irónica, chamada de atenção é o
mote de Electroma, filme realizado pelos mesmos nessa altura, que começou como
uma extensão de ideias para videoclips.
Guy-Manuel de Homem-Christo e
Thomas Bangalter nem sequer aparecem em frente das câmaras, continuando assim
sem revelar os seus rostos, antes dois actores com o disfarce completo e porte
físico semelhante… cujas identidades também não se tornam expressamente
conhecidas em qualquer segundo do filme. Aliás, há um momento em que os capacetes
lhes saem das cabeças e (suspense) temos a continuação da ilusão de que os protagonistas
não passam de obras de engenharia. Conclusão, os artistas são indivíduos que se
escondem atrás de personagens robôs que desejam ser indivíduos de carne e osso.
Electroma é compreensivelmente
estranho, fragmentado e musical. Logo de início, o duo aparece do nada e começa
a guiar pelo deserto até uma cidade como muitas outras que conhecemos do cinema
norte-americano, com a particularidade de todos os habitantes envergarem os
tais capacetes prateados ou dourados. Os autómatos dirigem-se a uma instalação
onde se submetem a uma operação estética, recebendo caras de látex, que passam
a exibir orgulhosamente na rua. Contudo, o sol deforma-as e a reacção de quem
se cruza com eles é de revolta, escorraçando-os dali para fora.
Segue-se uma longa caminhada
pelas areias escaldantes da região, onde sentimos a sua aguda crise de
identidade. Por muito que tentem, nunca serão humanos e nunca terão o respeito
dos que os rodeiam por tentarem. Genial a analogia visual entre a forma das
dunas e uma vagina. Não passa de uma miragem. Lento, com uma história mínima e
com recurso a uma banda-sonora de grandes artistas, muitos dos quais nunca
tiveram a popularidade dos Daft Punk apesar do talento óbvio, como Jackson C.
Frank, o filme entranha-se e fica na memória. Tal como o álbum Human After All
e ainda mais Random Access Memories, é interessante como os laivos de
experimentalismo do duo podem ser tão acessíveis.
8/10
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