sexta-feira, 16 de setembro de 2011

The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)

O rótulo de autor sempre foi anexado a Michael Haneke com naturalidade, pela forma como consegue sobrepor a sua visão ao processo colectivo de produção. Cada filme reflecte as suas considerações técnicas e temáticas com rispidez, mas percorrendo caminhos diferentes, o que lhes garante uma identidade muito própria. The White Ribbon separa-se logo no início pelo uso inédito do preto e branco e por haver um narrador, o que apenas aconteceu anteriormente em The Castle. Ser-nos-ão relatados os estranhos acontecimentos que precederam o início da Primeira Guerra Mundial numa aldeia alemã e espera-se que, ainda que vagos e episódicos, possam parecer sintomáticos do futuro iminente do país.

As respostas a grandes perguntas nem sempre são claras ou fáceis, como cedo descobre o filho do médico da vila. Na cena inicial, o seu pai sofre uma queda aparatosa de cavalo que dificilmente se pode confundir com um acidente. O menino pergunta então à irmã mais velha o que significa morrer e não gosta do que aprende. A morte é um assunto recorrente, quanto mais não seja pela forma como condiciona a vida do grande leque de cidadãos da vila, vidas de trabalho e fé, e a fé incorre em dualismo, tanto pode ser responsável por actos de bondade como de maldade. A Haneke interessa os factos, as explicações deixa-as para quem se atreve a analisá-los.

Como tal, o que será pior? Acreditar na inocência de uma criança mas constantemente atentar contra ela, como o padre, ou protegê-la mas perceber que pode ser comprometida, como o professor? Esta é uma questão menor, que é explorada quando, depois do que aconteceu com o médico, a incompreensão e o medo se instala à medida que se sucedem actos de vandalismo e violência cada vez mais enigmáticos. As crianças são particularmente vulneráveis, mas todos vivem reprimidos pelas dinâmicas de culpa e castigo que a religião e a sociedade impõem. Qual é o grau de estabilidade que isso acarreta afinal, quando nem a casa e a família são um reduto?

A ambiguidade bate à porta. As crianças são imperscrutáveis e arguciosas mas referidas pelo nome, os adultos são óbvios e tépidos mas referidos pelo estatuto. Apenas o professor parece trazer algum equilíbrio e é provavelmente a personagem mais simpática que Haneke já escreveu. Encontra o amor, as suas intenções são honrosas e os seus modos justos, pelo que não é de estranhar ser ele o narrador, aquele que parece tão interessado em compreender o que testemunhou quanto o espectador. No fim, a História assalta-nos e o contexto torna-se relevante. Deveremos nós viver e estaremos nós a viver no mundo de regras que os adultos sustêm, no mundo de liberalismos que as crianças teriam o direito de projectar ou no mundo intermédio do professor e da sua namorada, Eva?

Haneke aponta em várias direcções, sempre com o máximo de espírito crítico e clareza, aqui aumentada pelos contrastes frios da brilhante cinematografia de Christian Berger. A beleza de alguns planos parece sempre ameaçada pelo silêncio dum filme sem banda sonora ou pela prostração das personagens à violência do dia-a-dia. O padre é presenteado com um pássaro pelo filho mais novo, que o criou para substituir o que havia no escritório do pai. Haneke parece pessimista, mas há esperança. The White Ribbon é, ao mesmo tempo, o seu mais acessível e amplo filme - um triunfo dum cinema económico, não-conformista e paciente que Haneke domina como ninguém.

9/10

IMDb 

5 comentários:

  1. Excelente texto :)
    Um filme recheado de tantos pormenores deliciosos, de tanta profundidade.. a rever um dia sem dúvida!
    Parece mentira mas é o único filme que vi do Haneke, tenho rapidamente de colmatar essa falha.

    ResponderEliminar
  2. Foi uma década de 2000 inspirada para Haneke. Parabéns pelo blog :)

    ResponderEliminar
  3. Gosto dos trabalhos de Haneke, seus filmes são não mínimo perturbadores.

    Estou com este filme em casa para conferir.

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. Pedro: obrigado! Tens de ver todos :D Este junta-se ao Benny's Video e Funny Games como os meus preferidos.

    André: sem dúvida, já tinha ganho muito com o Caché, agora foi ainda melhor, são os 2 grandes filmes. Obrigado :)

    Hugo: Haneke é dos meus realizadores vivos preferidos, perturbadores, sem dúvida.

    ResponderEliminar
  5. Perturbador é sem dúvida um dos grandes adjectivos para classificar o trabalho de Haneke.

    O LAÇO BRANCO considero-o um dos mais refinados filmes do cineasta austríaco. 5/5

    http://cineroad.blogspot.com/2010/07/o-laco-branco-2009.html

    Roberto Simões
    » CINEROAD «

    ResponderEliminar