quinta-feira, 24 de maio de 2012

Blazing Saddles (Mel Brooks, 1974)


Quem quiser saber o mínimo sobre cinema tem de saber que, no espectro da comédia, há dois nomes que são sagrados há mais de quatro décadas: Gene Wilder e Mel Brooks. Seja individualmente ou em conjunto, enquanto atores ou realizadores, as contribuições de ambos para o aumento de gargalhadas per capita foram tremendas e continuam a ter repercussões, basta procurar pelos seus trabalhos e senti-las. Olhando para trás, 1974 é indubitavelmente um ano marcante nas suas carreiras. Com Blazing Saddles e Young Frankenstein elaboraram as paródias de western e de terror, respetivamente, que tornaram irrelevantes quaisquer paródias de western e de terror feitas posteriormente.

Inicialmente recebidos com críticas mistas, valorizando a qualidade dos gags mas criticando a falta de personalidade dos filmes e o humor grosseiro, ambos vieram a ocupar um espaço nas prateleiras da biblioteca do congresso americano, por serem culturalmente relevantes. Uma significativa reavaliação, que só foi necessária por um simples facto: estes filmes são loucos. É isso que transparece com grande claridade e que se tem de aceitar desde o início, a sua personalidade é a insanidade mental, e, particularizando para o caso de Blazing Saddles, não há restrições do politicamente correto, não há erros de continuidade que não possam ter a sua lógica interna, não há ator que não tenha liberdade total.

Em algumas alturas é quase como ver a versão circense de Rio Bravo, onde a química entre John Wayne e Dean Martin é substituída pela química entre Cleavon Little e Gene Wilder, as pernas de Angie Dickinson são substituídas pelas pernas de Madeline Kahn e os mauzões locais são campónios racistas que se peidam em conjunto, enquanto jantam feijões à volta de uma lareira, mas abrindo como um filme de Sergio Leone, com grandes planos anamórficos de um oeste calorento e árido, pelo qual o progresso abre caminho sob a forma de uma linha férrea em construção e trabalhadores negros são explorados como os escravos que já não eram. Deste panorama adverso e bem estabelecido, sairá um herói improvável.

Cleavon Little, ou Bart, passa daí para o cadafalso para xerife de Rock Ridge muito rapidamente, uma town que um político com poucas morais, Hedley Lamarr, quer expropriar totalmente e de borla, à força, para de seguida vender as terras à companhia do caminho-de-ferro, que precisa delas para respeitar o traçado. Ora, impor um negro como figura principal da justiça é iniciar uma grande confusão numa comunidade branca e conservadora (apesar da possibilidade de toda a população ser o resultado de incesto, já que todos têm o apelido Johnson), que tem então de decidir se deixa de lado o racismo para combater os capatazes de Hedley ou se ostracizam Bart, negligenciando a proteção de Rock Ridge.

O conceito podia dar um drama muito educadinho, mas estamos a falar de Mel Brooks e o filme só ganha com o realçar do ridículo destes conflitos. Há uma idosa num papel secundário cuja confiança Bart tenta ganhar com conversa de circunstância, só para ser imediatamente desconsiderado com um "up yours, nigger" - engraçado e desconfortável ao mesmo tempo. Mais tarde, Bart dá provas de enorme inteligência e compromisso, e a idosa oferece-lhe uma tarte em forma de pedido de desculpa, sem se esquecer de lhe dizer para o manter em segredo do resto dos Johnsons. Enfim, havendo um objetivo comum (derrotar o exército de ladrões, assassinos, violadores e metodistas de Hedley) há união e fraternidade.

A luta por Rock Ridge leva o filme à desconstrução, passando-se os limites do estúdio do western e espalhando-se para outras zonas da Warner Bros., seguindo cidade fora pelas ruas de Los Angeles e acabando num cinema de Hollywood, onde o fim do filme é projetado. São tantas as convenções que são atiradas pela janela, que se torna difícil absorver um filme que se vai tornando sempre mais denso e hilariante, mas a experiência é sempre recompensadora. Cleavon Little era um ator fabuloso, que mistura a sensibilidade de Sidney Poitier com a amigável sagacidade de Bugs Bunny num dos poucos papéis de protagonista que teve. E o cinema cómico nunca mais foi o mesmo depois de Blazing Saddles.

8/10

3 comentários:

  1. Tenho muita vontade de ver este filme. Boa critica

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  2. Obrigado Gonga! É uma grande comédia, desconstrutiva e divertida, vale a pena :)

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  3. Ainda não conheço esse filme do Brooks, infelizmente. Sua resenha me despertou a atenção. Abraço.

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