quarta-feira, 29 de maio de 2013

Nine 1/2 Weeks (Adrian Lyne, 1986)

Já vos aconteceu verem ou reverem um filme que sempre deixaram na lista de espera por saberem da sua reputação duvidosa ou do qual tinham uma impressão negativa e um dia finalmente escolhem sentar-se em frente ao ecrã para tirar a prova dos nove e no fim acham que até nem era assim tão mau? Comigo passou-me mais recentemente com 9 ½ Weeks. Descrito na altura como o filme mainstream mais erótico desde Last Tango In Paris (que para mim sempre foi mais deprimente que qualquer outra coisa), foi recebido como um objecto ridículo e repleto de momentos constrangedores. Não deixa de ser irónico que na mais pirosa das décadas um filme minimamente sofisticado como este tenha sido tratado como se já estivesse ultrapassado.

Obviamente, conseguem-se distinguir sinais dos anos 80 em muitos lados, a começar pela banda sonora (a Slave To Love do Bryan Ferry é como o algodão, não engana), mas Adrian Lyne sabe usar a cidade de Nova Iorque para servir a sua história como poucos, basta ver a atmosfera de terror urbano que emana de Jacob’s Ladder ou a distância emocional que os cenários de 9 ½ Weeks transmitem. Nas assépticas galerias de arte do Soho, nos escritórios de Wall Street ou nos becos desertos e fumacentos por detrás das grandes avenidas, os protagonistas encontram validação para se concentrarem na carnalidade. Por outro lado, a multiculturalidade é usada no início para simbolizar a entrada de Elizabeth num mundo dos sentidos que lhe é estrangeiro.

O primeiro contacto com John Gray acontece numa mercearia chinesa e o primeiro encontro num restaurante italiano. A atracção entre ambos é evidente e o lado brincalhão dele vem ao de cima, especialmente quando no dia seguinte vão à feira popular. Rapidamente os jogos passam a ser outros e Elizabeth deixa-se ir, liberta-se, depois de anos presa num casamento que acabou em divórcio. Em breve passam a haver apenas dois tipos de cenas: aquelas em que estão vestidos e aquelas em que estão despidos (maioritariamente Kim Basinger). Beneficiando com a voz fagueira e o estilo enigmático dum Mickey Rourke pré-cirurgias, o filme consegue manter sempre em fundo um tom de imprevisibilidade que, compreensivelmente, consegue excitar Elizabeth.

Aqui sim, há muita sensualidade, basta relembrar o mítico striptease ao som de You Can Leave Your Hat On de Joe Cocker, uma cena que, como muitas outras ao longo de 9 ½ Weeks, é favorecida pelo trabalho fantástico ao nível de iluminação, usando as sombras para realçar as curvas da protagonista e manter a aura de mistério e risco associada à relação. A falta de sensibilidade de John torna-se evidente mas Elizabeth abandona o barco quando sente que estão a ser ultrapassados os limites do respeito, mostrando ser uma mulher forte e fazendo a distinção entre prazer e deboche. Tudo considerado, quanto muito é um filme longo demais e que desenvolve mal os seus ténues sub-enredos (ex-marido e o artista), mas não deixa de ter o seu charme.

7/10

sábado, 25 de maio de 2013

Dead Man (Jim Jarmusch, 1995)

No dia em que o novo filme de Jarmusch, Only Lovers Left Alive, sobre dois vampiros unidos por um amor que atravessa os séculos, é apresentado em Cannes, relembro por aqui um dos seus clássicos, também ele bastante preocupado com a mortalidade, Dead Man. A banda sonora foi assinada por Neil Young e remete para a América profunda e vasta que enche o filme, como se pode ouvir neste Guitar Solo #1. Let it sink in.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

LISTAS: Michael Mann

Uma lista recente dos 10 filmes preferidos de Michael Mann:

  • Apocalypse Now (Francis Ford Coppola, 1979)
  • Battleship Potemkin (Sergei Eisenstein, 1925)
  • Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
  • Avatar (James Cameron, 2009)
  • Dr. Strangelove (Stanley Kubrick, 1964)
  • Biutiful (Alejandro Gonzalez Iñarritu, 2010)
  • My Darling Clementine (John Ford, 1946)
  • The Passion Of Joan Of Arc (Carl Theodor Dreyer, 1928)
  • Raging Bull (Martin Scorsese, 1980)
  • The Wild Bunch (Sam Peckinpah, 1969)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

The Best Intentions (Bille August, 1992)


Não gosto muito daquele discurso da treta de realizadores que falam dos seus filmes como se todos fossem filhos e os amassem de forma igual; até aí há sempre favoritos, por muito desconfortável que seja admiti-lo, por isso, analogamente, é óbvio que todos os artistas têm projectos de estimação. The Pianist de Polanski, sobre sobrevivência durante o Holocausto, instintivamente atinge uma precisão emocional que dificilmente alguém que não tivesse passado pela mesma experiência que a personagem principal conseguiria transmitir. Scorsese queria tanto homenagear os clássicos que mais o inspiravam, de Minnelli a DeMille, que quando New York, New York se revelou um fracasso nas bilheteiras e foi recebido com relativa indiferença pela crítica, ele sucumbiu à depressão - a verdade é que tinha completado o seu trabalho mais virtuoso tecnicamente. Em suma, é fascinante quando alguém passa anos e anos a urdir uma ideia, investe tempo, dinheiro e neurónios a tentar mostrar algo de novo e de pessoal e eventualmente consegue chegar a um produto final, mesmo que os seus méritos não se venham a revelar consensuais. Por tudo isto, o fim da carreira de Ingmar Bergman assume contornos paradoxais.

Depois de em 1982 se ter retirado do cinema com Fanny And Alexander, um drama familiar ficcional e que adquire contornos fantasistas, 10 anos volvidos surge este The Best Intentions, um drama familiar baseado no matrimónio dos seus pais e que prima por um espírito de reconstituição irredutível. Apesar de ser possível considerar que o primeiro é um resumo mais completo da carreira do mestre sueco, relembrando o universo onírico de The Magician, as peças de época como Sawdust And Tinsel, a nostalgia febril de Wild Strawberries, entre outros exemplos, não posso deixar de definir o segundo como o argumento mais incisivo e paciente no que diz respeito a relações humanas enquanto motores de frustração, alegria, dor, força e desilusão que alguma vez escreveu, o que, no fundo, acaba por ser natural, ou não fosse o seu próprio nascimento um dos últimos acontecimentos retratados, ou seja, viveu o que vemos. O que levanta a questão: será possível a familiaridade com uma ideia ser tão opressiva que a única solução para garantir a sua viabilidade é delega-la a outrem? O simples facto de The Best Intentions obrigar à partida a ponderar esta inversão de lógica torna-o obrigatório.

Claro que importa referir que é Bille August quem toma as rédeas das câmaras e o dinamarquês não só não é avesso a filmes enraizados num passado específico como sempre deu prioridade a um estilo discreto e clássico, o que se prova facilmente com Pelle The Conqueror, pelo qual ganhou uma Palma de Ouro. O seu perfeito sentido de timing e a montagem contínua são tudo o que estes actores e diálogos precisam para brilhar. Poucas cenas iniciais estabelecem o tom geral como aqui: Henrik é um seminarista protestante que visita o avô. Este ficará viúvo brevemente e torna-se logo evidente que contactou o neto por razões unicamente egoístas. Abandonou-o e à mãe quando eles mais precisavam e agora que vê a vida passar à frente dos olhos arrepende-se e quer pedir a Henrik que o perdoe e à esposa, que está no leito da morte. A resposta é negativa. Apesar da reacção do jovem ser compreensível, ao mesmo tempo é tão fria que quase parece obscena. Mais tarde, reprova num exame e a sua mãe decide mentir às primas para pedir emprestado dinheiro para continuar a pagar as propinas. Uma delas consegue-a desmascarar de uma forma que roça a humilhação, ainda que tenha falado com ela em privado.

Como defender um lado quando aceitamos as motivações de todos em cada confronto? Henrik vem de um meio pobre e quando conhece Anna o contraste é tão grande que lhe é difícil não ficar maravilhado e apaixonado… tal como é impossível a relação que os dois encetam não chocar com os padrões e expectativas da família dela, especialmente depois de o pai (interpretado por Max von Sydow, ou seja, classe garantida), a referência de união e ponderação para Anna e os irmãos, morrer. The Best Intentions pode ser dividido em 2 partes: as dificuldades que precedem e as que resultam de um casamento. Bergman escreve sobre ambas com uma honestidade desarmante, não se coibindo de caracterizar os progenitores como 2 pessoas muito teimosas, o pai tendencialmente agressivo, a mãe excessivamente mimada, mas a acompanhar toda esta ausência de melodrama está uma compaixão profunda e uma contextualização reveladora. Fazer um filme de 5 horas e meia é um luxo que poucos realizadores têm hipótese de empreender, mas manter por 5 horas e meia este nível de constância é uma tarefa que poucos realizadores têm talento para professar.

Isto já para não falar na fotografia de Jörgen Persson, que transforma cada plano num quadro, e na banda-sonora simples, trágica e intrigante, que faz todo o sentido com personagens que sofrem tantos revés, por culpa deles ou das circunstâncias, e que os confunde e leva a tomar más decisões, mas não faz desaparecer uma ligação que não se explica, sente-se. Claro que para aqueles que nunca nutriram grande afeição pelo autor (coitados) não vão mudar de opinião com isto. Aquilo que para alguns é demasiado eloquente, quase teatral, para muitos é pura poesia, uma gestão perfeita do diálogo e da sua simbiose com a imagem. Bergman (e não nos vamos enganar, este filme é mais seu que de August) não é naturalismo, talvez realismo, mas acima de tudo desconstrução - as palavras são um puzzle de infinitas possibilidades, que as personagens usam para agredir, esconder, redimir ou contradizer e o mundo em que estas vivem parece mudar consoante o que dizem e não dizem mais do que o fazem ou não fazem, porque ele se interessa menos pelos factos e pelos actos e mais pelas intenções, que, devemos acreditar, são sempre as melhores, num salto de fé maior que os exigidos por qualquer religião. Será possível que Bergman não tenha realizado The Best Intentions porque também queria acreditar mas nem sempre o conseguia fazer?

10/10

terça-feira, 14 de maio de 2013

CURTAS: A Boy And His Atom (Nico Casavecchia, 2013)

O mais pequeno filme de stop motion de sempre (certificado pelo Guiness) foi feito este ano pela IBM e envolve... átomos! Filmado à escala nano, pode ser visto no Youtube aumentado uns milhões de vezes.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

POSTERS: Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)





O filme da consagração de Tarantino, depois da fama meteórica granjeada por Reservoir Dogs, valeu-lhe um Óscar de Melhor Argumento Original e a Palma de Ouro em Cannes. Ao receber este segundo prémio, uma voz berrou por Kieslowski, que apresentava no mesmo ano o seu último filme, Rouge. Tarantino respondeu com um manguito em palco. Suponho que esta seja uma boa imagem para descrever um filme com a urgência e a criatividade de Pulp Fiction.

sábado, 4 de maio de 2013

Friendly Persuasion (William Wyler, 1956)


Aquando do relançamento de Friendly Persuasion, um dos slogans era “you’ll love SAMANTHA, THE GOOSE”, assim com o caps lock ligado e tudo; é um bocado estranho que num filme com tantas estrelas, que aborda várias temáticas e que recebeu seis nomeações para os Óscares as equipas de marketing da altura tenham escolhido realçar uma personagem que tem grasnidos no lugar de falas e aparece por uns segundos meia dúzia de vezes enquanto animal de estimação, o que significa que ou se tratou de um golpe de publicidade de eficácia duvidosa, ou o filme tem poucos motivos de interesse ou então um pouco de ambas. Inclino-me mais para esta última hipótese.

Gary Cooper é o patriarca da família Birdwell, mas fica claro muito cedo que quem dita as regras em casa é a esposa Eliza (Dorothy McGuire), sendo ministra do movimento religioso que praticam - são Quakers, o que significa que se vestem como há 200 anos (o que causa pouco estrondo aqui já que a história se passa durante a Guerra Civil), levam a Bíblia muito a sério (apesar de Wyler ocupar grande parte do tempo a mostrar como se divertem a violar aquilo em que acreditam) e não abdicam de falar inglês arcaico substituindo “you” por “thee” ou “your” por “thy” (torna-se cansativo ouvir todos os "Muggles" que conhecem fora da comunidade verbalizar e gozar com esse facto).

Friendly Persuasion tem em Anthony Perkins o seu grande trunfo. Apenas na sua segunda aparição cinemática, numa altura em que felizmente ainda o associavam a mais do que a papéis de psicopatas educados, interpreta o filho mais velho do casal, que se sente dividido entre o alheamento dos Quakers em nome da paz do conflito que se estendia por toda a América e tomar uma atitude patriótica e pró-activa em defesa de ideais que afinal apoiam, mais concretamente a abolição da escravatura. À medida que a frente de batalha se aproxima da sua casa, é notória a sua maior inclinação para empunhar a espingarda do pai, mesmo sabendo que vai desiludir a mãe e Deus ao quebrar um dos mandamentos.

A família mantém-se unida graças ao equilíbrio da ordem imposta pela mãe e da tolerância prestada pelo pai; ainda assim, há demasiado foco na milhentas formas em que é possível incorrer em deslizes fazendo parte deste grupo restrito e tanto a cena da feira como tudo o que envolve a compra de um órgão por Jess (pelos vistos, têm opiniões contraditórias quanto à reprodução de música) prolonga-se excessivamente e as reacções de Eliza são desproporcionadas. Wyler gere desajeitadamente o socorro a Josh, parecendo dotar o pai de invencibilidade, mas o embate entre pacifismo e idealismo está sempre bem explorado. Um olhar compreensivo a um modo de vida incomum mas honesto e humilde.

6/10

quarta-feira, 1 de maio de 2013

TRAILERS: Where The Sidewalk Ends (Otto Preminger, 1950)

Quando o film-noir atravessava o seu período mais fértil na década de 1940 havia trailers furiosos com introduções memoráveis de todas as personagens e cheios de mensagens com pontos de exclamação como este ("Dana Andrews, a detective who could kill a man with his fist - and one night he did"). Com Where The Sidewalk Ends nada podia ser mais adequado: trata-se de um dos filmes mais impiedosos e tecnicamente perfeitos do género (Otto Preminger era um mestre) e que também tem a agradecer a presença da bela Gene Tierney e do subestimado Dana Andrews, um dos meus actores preferidos desta era, que conseguia sempre trazer uma ponta de dignidade e honra a qualquer personagem.