Quando se segue a carreira de
alguém com assiduidade e chega um ponto em que somos presenteados com um
trabalho que inquestionavelmente representa o culminar da evolução de
características e técnicas abordadas desde o início é muito gratificante. Boyhood
é um desses momentos. Nele está a vontade de retratar o quotidiano sem
artifícios de Slacker, as dores de crescimento de Dazed And Confused, a
construção e desconstrução de laços afectivos de cada reencontro com o casal
Jesse e Celine (Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight, até agora) e,
ainda mais importante, o registo, a percepção e a memória da passagem do tempo,
transversal a todos esses filmes.
O que é a cidade de Austin nos
anos 90, que se faz, que se diz, que se ouve, onde se vai, que se veste? O que
significou ser adolescente nos anos 70, quais são os receios ao entrar e as
dúvidas ao sair do secundário e como se intersectam? O que se tem de sacrificar
e pelo que se tem de lutar para manter durante décadas uma relação que
experimenta incontáveis intermitências? A simplicidade estilística que Richard
Linklater privilegia serve uma hiperconsciência do presente empenhada em
celebrar cada momento pela sua fugacidade. “The moment seizes us”, resume-se
aqui. São doze anos que passam pelas personagens e pelos actores em igual
medida e todos os segundos são irrepetíveis.
Mason Evans Jr. e Ellar Coltrane
crescem a olhos vistos. No ecrã vemos etapas próprias da idade, lugares-comuns
como brigas entre irmãos, fins-de-semana de campismo, aquela altura em que um
pai decide que o melhor penteado para o filho é a máquina zero, aulas
aborrecidas, namoros mal sucedidos, no fundo a vida como ela é (ou foi), sem
enredo, sem clímax, sem arcos. A representação dessa linearidade é hipnotizante
e o conceito original, mas serve apenas de base para o alcance do filme. O
drama resultante das experiências de Mason é um patamar, a forma como o filme
nos devolve as nossas experiências ao remeter-nos para um determinado período é
outro patamar.
Quando Boyhood começou a ser
gravado, a Yellow dos Coldplay dominava as rádios. Quando Boyhood parou de ser
gravado, os telemóveis de terceira geração já estavam amplamente disseminados.
É curioso verificar que as mudanças culturais acontecem a um ritmo mais rápido
daquele que pressentimos, e, com essas mudanças, especialmente a nível
tecnológico, também damos menos valor ao que acontece aqui e agora porque
podemos gravar e fotografar a qualquer altura para mais tarde recordar – mas
depois olhamos para trás e, se calhar, podíamos ter aproveitado melhor o
momento enquanto o vivíamos. Linklater convida-nos a parar e observar, com liberdade, sem sentenças, este mundo moderno. É, sem dúvida, o filme que nasceu para realizar.
9/10
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