domingo, 30 de abril de 2017

Hunger (Steve McQueen, 2008)

Hunger é brutal, não só por nunca virar a cara à violência, inseparável da situação muito particular que recria, mas especialmente pela neutralidade e o rigor desarmantes com que foi filmado. O foco maior é apontado a Bobby Sands (Michael Fassbender), membro capturado do IRA, que instigou uma greve de fome em 1981 entre os seus companheiros de encarceramento, reclamando o direito ao estatuto de prisioneiros de guerra, exigência veementemente recusada pela então primeira-ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher. Esta atitude resultaria na morte de dez deles, incluindo o próprio Sands, mas Hunger só chega a esta personagem meia hora depois de começar.

Antes, seguimos um guarda que se prepara para sair para o trabalho. Ele olha para debaixo do carro antes de o ligar. Aqui compreendemos que o terrorismo era uma realidade a que os irlandeses tiveram de se adaptar muito antes dos atentados que têm assolado o resto da Europa em anos recentes e que o medo encontra sempre poros por onde se infiltrar. Depois passamos para Davey, um novo inquilino, que é atirado para a ala dos não conformados por se recusar a usar o uniforme do estabelecimento. Seguindo-o, vamos sendo apresentados a um novo mundo, confinado por quatro paredes, no qual a dignidade humana não entra.

Na realidade, homens como Sands e Davey mataram inocentes e defenderam o assassinato em nome duma religião, contudo, ao partir daí para explorar as humilhações a que são sujeitos pelo Estado quando passam a estar à sua guarda, Hunger está mais interessado em desafiar as nossas ideias preconcebidas sobre crime e castigo. O estado é justo ou insensível? O tal guarda convive todos os dias com a ameaça que o IRA representa, mas, por um lado, não deixa de viver por causa disso, e, por outro, não deixa de contribuir para a espiral de violência ao agredir os prisioneiros da HM Prison Maze. Hoje temos Guantánamo, por exemplo.

Como manter a sanidade no meio deste ciclo sem fim? Sands é espancado regularmente, mas escolhe protestar da única forma que pode, em nome da sua causa. Certo ou errado, mártir ou criminoso, isso é secundário. Steve McQueen não quer que adoremos estes guerrilheiros nem que os vilifiquemos, antes que perguntemos a nós próprios quanto estaríamos dispostos a sacrificar por aquilo em que acreditamos. Sands foi uma criança como outra qualquer, que cresceu, fez escolhas e tomou um certo caminho, como ele explica a um padre, num plano estático de 17 minutos simplesmente inacreditável. Por isso é irrelevante ler cadastros, retratar julgamentos ou recriar circos mediáticos. o filme agiganta-se no minimalismo.

9/10

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