Antes de chegar a Viridiana, Luis Buñuel tinha já ligado ao
seu nome um considerável espólio de fitas veneradas pelos apreciadores de
cinema, na sua maioria produzidas em França (antes da guerra civil espanhola e
do seu exílio para os EUA) ou no México, como os delírios surrealistas que
escreveu com Salvador Dalí e como as análises sociológicas de El e Los
Olvidados. Viridiana marcou um regresso ao país de origem que foi mal recebido
pelo poder local e o regime do ditador Francisco Franco chegaria mesmo a tentar
bani-lo, por distorcer símbolos e imagens religiosas de maneiras consideradas
indecentes.
A história começa com a freira do título (Silvia Pinal) a
dias de prestar juramento, que é aconselhada pela sua superior a visitar o
único parente que tem vivo antes de se dedicar à reclusão, um tio abastado que
tem pago os estudos. A jovem obedece e em breve somos apresentados ao seu
protetor. Dom Jaime (o inevitável Fernando Rey) vive obcecado com a sua
falecida mulher, ao ponto de não se limitar a recordar memórias, mas a tentar
revivê-las, mesmo que isso signifique experimentar o vestido de casamento dela
em privado, por exemplo. Viridiana é igual à tia e ele fica embevecido,
causando grade desconforto à rapariga, que apenas deseja mostrar alguma
gratidão pelo apoio. Quando comete o erro de ceder à pressão e vestir o
referido vestido, Dom Jaime droga-a e inventa que a terá violado enquanto ela
estava inconsciente, para a demover do catolicismo. Contudo, o efeito é o
contrário, apenas reforça a vontade da sobrinha em ir embora. Talvez por se
sentir irremediavelmente só, talvez por se sentir mal com as suas atitudes, ele
suicida-se. Isto tudo em meia hora.
Neste ponto talvez seja estranho pensar que ainda há o dobro
do tempo até aos créditos finais. Na realidade inicia-se uma segunda parte que
evidencia os temas em jogo. Viridiana herda a casa, habita-a juntamente com o
filho bastardo de Dom Jaime e tenta usar a sua nova posição social para ajuntar
pobres e lhes dar comida, teto e trabalho. Sente que causou a morte de um homem
e procura expiação na caridade. Enquanto Jorge (Francisco Rabal), prático e
realista, trata de reabilitar o património, ela fecha-se num mundo de
ingenuidade. Apesar das suas ações dignas de um Nobel da Paz, ao oferecer
resposta às necessidades básicas de indigentes, não os está a dotar de armas que
podem usar para mudar a sua vida. Buñuel questiona se esta bondade passageira
serve mais o propósito de camuflar os pecados do que contribuir para a sociedade.
Entretanto, o primo também se sente atraído pela personagem principal. Julgamos
que o filme se vai repetir, mas a postura é bastante diferente.
No último ato, Viridiana é confrontada com a
superficialidade das suas crenças e ações via uma sucessão de ataques físicos
cometidos por pessoas que beneficiaram da abnegação pela qual se estava a
pautar. Jorge resolve a situação e torna-se evidente que afinal há mais
semelhanças entre ela e Dom Jaime do que entre ele e Dom Jaime, dado que
adotaram uma generosidade hipócrita para satisfazer uma visão egoísta e
acabaram por ser vítimas de si próprios. Devemos compaixão a esta mulher, que,
não obstante, merecia melhor sorte. Este círculo ingrato revela-lhe a
verdadeira natureza humana e afasta-a da fé, o que parece trazer-lhe alguma calma. Há imenso simbolismo, numa cena vemos um crucifixo transformado em
canivete, noutra os pobres assaltam a mansão e regalam-se com um banquete,
assemelhando-se ao mural d'A Última Ceia, já para não falar da visita que a
madre superior faz a meio, para perceber porque é que a sua subordinada não
voltou para o convento, em que transborda uma condescendência retorcida.
Realmente, não são as conclusões conservadoras que uma ditadura fascista
puderia apoiar…
8/10
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