domingo, 30 de abril de 2017

Viridiana (Luis Buñuel, 1961)

Antes de chegar a Viridiana, Luis Buñuel tinha já ligado ao seu nome um considerável espólio de fitas veneradas pelos apreciadores de cinema, na sua maioria produzidas em França (antes da guerra civil espanhola e do seu exílio para os EUA) ou no México, como os delírios surrealistas que escreveu com Salvador Dalí e como as análises sociológicas de El e Los Olvidados. Viridiana marcou um regresso ao país de origem que foi mal recebido pelo poder local e o regime do ditador Francisco Franco chegaria mesmo a tentar bani-lo, por distorcer símbolos e imagens religiosas de maneiras consideradas indecentes.

A história começa com a freira do título (Silvia Pinal) a dias de prestar juramento, que é aconselhada pela sua superior a visitar o único parente que tem vivo antes de se dedicar à reclusão, um tio abastado que tem pago os estudos. A jovem obedece e em breve somos apresentados ao seu protetor. Dom Jaime (o inevitável Fernando Rey) vive obcecado com a sua falecida mulher, ao ponto de não se limitar a recordar memórias, mas a tentar revivê-las, mesmo que isso signifique experimentar o vestido de casamento dela em privado, por exemplo. Viridiana é igual à tia e ele fica embevecido, causando grade desconforto à rapariga, que apenas deseja mostrar alguma gratidão pelo apoio. Quando comete o erro de ceder à pressão e vestir o referido vestido, Dom Jaime droga-a e inventa que a terá violado enquanto ela estava inconsciente, para a demover do catolicismo. Contudo, o efeito é o contrário, apenas reforça a vontade da sobrinha em ir embora. Talvez por se sentir irremediavelmente só, talvez por se sentir mal com as suas atitudes, ele suicida-se. Isto tudo em meia hora.

Neste ponto talvez seja estranho pensar que ainda há o dobro do tempo até aos créditos finais. Na realidade inicia-se uma segunda parte que evidencia os temas em jogo. Viridiana herda a casa, habita-a juntamente com o filho bastardo de Dom Jaime e tenta usar a sua nova posição social para ajuntar pobres e lhes dar comida, teto e trabalho. Sente que causou a morte de um homem e procura expiação na caridade. Enquanto Jorge (Francisco Rabal), prático e realista, trata de reabilitar o património, ela fecha-se num mundo de ingenuidade. Apesar das suas ações dignas de um Nobel da Paz, ao oferecer resposta às necessidades básicas de indigentes, não os está a dotar de armas que podem usar para mudar a sua vida. Buñuel questiona se esta bondade passageira serve mais o propósito de camuflar os pecados do que contribuir para a sociedade. Entretanto, o primo também se sente atraído pela personagem principal. Julgamos que o filme se vai repetir, mas a postura é bastante diferente.

No último ato, Viridiana é confrontada com a superficialidade das suas crenças e ações via uma sucessão de ataques físicos cometidos por pessoas que beneficiaram da abnegação pela qual se estava a pautar. Jorge resolve a situação e torna-se evidente que afinal há mais semelhanças entre ela e Dom Jaime do que entre ele e Dom Jaime, dado que adotaram uma generosidade hipócrita para satisfazer uma visão egoísta e acabaram por ser vítimas de si próprios. Devemos compaixão a esta mulher, que, não obstante, merecia melhor sorte. Este círculo ingrato revela-lhe a verdadeira natureza humana e afasta-a da fé, o que parece trazer-lhe alguma calma. Há imenso simbolismo, numa cena vemos um crucifixo transformado em canivete, noutra os pobres assaltam a mansão e regalam-se com um banquete, assemelhando-se ao mural d'A Última Ceia, já para não falar da visita que a madre superior faz a meio, para perceber porque é que a sua subordinada não voltou para o convento, em que transborda uma condescendência retorcida. Realmente, não são as conclusões conservadoras que uma ditadura fascista puderia apoiar…

8/10

Sem comentários:

Enviar um comentário