domingo, 15 de julho de 2012

A Dangerous Method (David Cronenberg, 2011)


Afirmar que Cronenberg mudou nos últimos anos pode ser, como dizia um treinador português de futebol, uma "faca de dois legumes." É verdade que não se encontram em A History Of Violence as mutações corporais que se via em Naked Lunch nem se vêem em Eastern Promises os parasitas em ambientes inócuos de Shivers, mas continua presente uma grande preocupação com as transformações alavancadas por ocorrências bizarras e perturbações psiquiátricas. Talvez o caminho tenha deixado de ser feito de dentro para fora e as manifestações grotescas de exteriorização desses fenómenos seja agora mais contida, cingindo-se aos padrões comportamentais, mas continuam a ser muito reveladoras do quão negra pode ser a mente humana.

A Dangerous Method acerca-se, porquanto, com bastante naturalidade. Polido e produzido como nenhum outro dos seus filmes até agora, não é mais do que um duelo de intelectos menos sangrento que os de Scanners, uma exploração de fetiches tão sádicos como em Crash, uma história clínica de psiquiatria mais explicativa que Spider, em que Carl Jung e Sigmund Freud iniciam uma amizade com pouco futuro, dadas as suas opiniões divergentes no assunto da psicanálise, os seus caracteres arrogantes e as diferenças religiosas que também fazem a sua mossa, sub-repticiamente. No meio, claro, uma mulher, Sabina Spielrein, uma paciente em quem Jung testa os métodos de Freud e com quem desenvolve os seus próprios, para além de com ela iniciar uma relação extraconjugal.

O trio Michael Fassbender, Viggo Mortensen e Keira Knightley apresenta-se em grande forma, mas o papel do segundo acaba por ser reduzido. É o envolvimento de Jung com Sabina que ocupa 2 terços do filme, revelando o lado mais frágil de um psiquiatra que pretendia passar uma imagem de grande sobriedade e compostura, mas que acabou por não resistir aos avanços da jovem que tencionava curar e orientar para uma vida socialmente aceitável, aliás a sua grande preocupação. Jung não se contenta com a compreensão de uma doença, quer levar cada doente a ser a pessoa que sempre quiseram ser. Para isso acha vital entrar em território inexplorado, além dos factos e a todo o vapor para o terreno do inexplicável, contra os conselhos de Freud. Onde chegará?

Em privado e nas costas da mulher e das filhas, alimenta o sadomasoquismo de Sabina. São cenas incómodas, em que é difícil perceber se existe amor ou apenas um interesse mórbido. Knightley e Fassbender exploram esta relação com as quantidades corretas de embaraço e entrega. É inegável a forma como as suas inteligências se parecem complementar, especialmente à medida que os anos passam e Sabina acaba por se tornar ela própria uma médica de renome. Entrementes, a cordialidade de Freud, com quem corresponde frequentemente, revela-se falsa e efémera. Falam muito mas não há consensos e ambos parecem conscientes das limitações dos seus trabalhos. A diferença é que Freud aceita-as e Jung é atormentado por elas.

Testam-se a cada frase, dizem ver o outro como igual mas não o fazem realmente e os preconceitos de Freud não deixam muito boa imagem dele. É pouco examinada a ligação de Jung com áreas tangenciais como a astrologia, sonhos e superstições, uma das razões de divergência entre os 2 psicanalistas e da queda da saúde mental do próprio Jung. Há alguma superficialidade no argumento, que deixa o filme dependente demais, para o fim, da típica trama da amante ofendida e alguns eventos passam com muita rapidez e pouca notabilidade, como a partida temporária do suíço do hospital logo no início para serviço militar ou a ida de Jung e Freud à América, da qual acabamos por ver apenas a viagem de barco. São pormenores que acabam por não acrescentar nada.

No fim, toda a energia de Jung parece ter-lhe sido sugada por Sabina, que estará melhor na vida do que o homem que amou e que a tratou. Ceder aos seus princípios e tomar uma amante minou o seu casamento mas não há divórcio, minou a sua reputação mas continua a ter trabalho. Jung ainda tinha muitos anos de vida e os seus trabalhos mais pessoais pela frente, mas em 1913, quando A Dangerous Method acaba, ele não é o mesmo homem. É um homem que sabe o quão fraco é, desligado, prestes a refugiar-se no terreno do delírio. Estas personagens sui generis são exatamente a génese dos filmes mais surreais de Cronenberg, como os interrogatórios de abertura sugerem imediatamente. É então, de certa forma, apropriado que este seja o mais convencional e acessível da sua carreira.

7/10

4 comentários:

  1. Me decepcionou um pouco por conta da abordagem um tanto artificial de duas figuras interessantes e tão inteligente quanto Freud e Jung. Levando em consideração que as cenas que marcam são aquelas compostas pela interação entre ambos, é impossível não sentir que Cronenberg deixou escapar um pouco daquilo que mais sabe fazer. Enfim, é um bom filme que tinha potencial para ser "o" filme.

    Abraços!

    www.lumi7.com.br

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  2. Sim, isso é verdade, até certo ponto, artificial é um bom termo. Obrigado por leres :) Abraço

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  3. Aqueles detractores que adoram comparações lembrar-se-ão naturalmente dos telefilmes da BBC, quando visualizarem esta nova obra de Cronenberg, Um Método Perigoso. O filme é um portento, tecnicamente falando, verosímil quanto baste na reconstituição histórica (dos cenários e decoração ao guarda-roupa e acessórios), irrepreensível na fotografia e na banda sonora (Peter Suschitzky e Howard Shore, respectivamente, em mais uma frutuosa parceria com o cineasta) e nos demais departamentos técnicos. A nível da história, contudo, fica-se pelo drama eficiente e nunca demasiadamente estimulante.

    http://www.cineroad.net/2012/01/dangerous-method-2011.html

    Roberto Simões
    CINEROAD.net

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