Afirmar que Cronenberg mudou nos
últimos anos pode ser, como dizia um treinador português de futebol, uma
"faca de dois legumes." É verdade que não se encontram em A History
Of Violence as mutações corporais que se via em Naked Lunch nem se vêem em Eastern
Promises os parasitas em ambientes inócuos de Shivers, mas continua presente
uma grande preocupação com as transformações alavancadas por ocorrências
bizarras e perturbações psiquiátricas. Talvez o caminho tenha deixado de ser
feito de dentro para fora e as manifestações grotescas de exteriorização desses
fenómenos seja agora mais contida, cingindo-se aos padrões comportamentais, mas
continuam a ser muito reveladoras do quão negra pode ser a mente humana.
A Dangerous Method acerca-se,
porquanto, com bastante naturalidade. Polido e produzido como nenhum outro dos
seus filmes até agora, não é mais do que um duelo de intelectos menos sangrento
que os de Scanners, uma exploração de fetiches tão sádicos como em Crash, uma
história clínica de psiquiatria mais explicativa que Spider, em que Carl Jung e
Sigmund Freud iniciam uma amizade com pouco futuro, dadas as suas opiniões
divergentes no assunto da psicanálise, os seus caracteres arrogantes e as
diferenças religiosas que também fazem a sua mossa, sub-repticiamente. No meio,
claro, uma mulher, Sabina Spielrein, uma paciente em quem Jung testa os métodos
de Freud e com quem desenvolve os seus próprios, para além de com ela iniciar
uma relação extraconjugal.
O trio Michael Fassbender, Viggo
Mortensen e Keira Knightley apresenta-se em grande forma, mas o papel do
segundo acaba por ser reduzido. É o envolvimento de Jung com Sabina que ocupa 2
terços do filme, revelando o lado mais frágil de um psiquiatra que pretendia
passar uma imagem de grande sobriedade e compostura, mas que acabou por não
resistir aos avanços da jovem que tencionava curar e orientar para uma vida
socialmente aceitável, aliás a sua grande preocupação. Jung não se contenta com
a compreensão de uma doença, quer levar cada doente a ser a pessoa que sempre
quiseram ser. Para isso acha vital entrar em território inexplorado, além dos
factos e a todo o vapor para o terreno do inexplicável, contra os conselhos de
Freud. Onde chegará?
Em privado e nas costas da mulher e
das filhas, alimenta o sadomasoquismo de Sabina. São cenas incómodas, em que é
difícil perceber se existe amor ou apenas um interesse mórbido. Knightley e
Fassbender exploram esta relação com as quantidades corretas de embaraço e
entrega. É inegável a forma como as suas inteligências se parecem complementar,
especialmente à medida que os anos passam e Sabina acaba por se tornar ela
própria uma médica de renome. Entrementes, a cordialidade de Freud, com quem
corresponde frequentemente, revela-se falsa e efémera. Falam muito mas não há
consensos e ambos parecem conscientes das limitações dos seus trabalhos. A
diferença é que Freud aceita-as e Jung é atormentado por elas.
Testam-se a cada frase, dizem ver o
outro como igual mas não o fazem realmente e os preconceitos de Freud não
deixam muito boa imagem dele. É pouco examinada a ligação de Jung com áreas
tangenciais como a astrologia, sonhos e superstições, uma das razões de
divergência entre os 2 psicanalistas e da queda da saúde mental do próprio
Jung. Há alguma superficialidade no argumento, que deixa o filme dependente
demais, para o fim, da típica trama da amante ofendida e alguns eventos passam
com muita rapidez e pouca notabilidade, como a partida temporária do suíço do
hospital logo no início para serviço militar ou a ida de Jung e Freud à
América, da qual acabamos por ver apenas a viagem de barco. São pormenores que
acabam por não acrescentar nada.
No fim, toda a energia de Jung parece
ter-lhe sido sugada por Sabina, que estará melhor na vida do que o homem que
amou e que a tratou. Ceder aos seus princípios e tomar uma amante minou o seu
casamento mas não há divórcio, minou a sua reputação mas continua a ter
trabalho. Jung ainda tinha muitos anos de vida e os seus trabalhos mais
pessoais pela frente, mas em 1913, quando A Dangerous Method acaba, ele não é o
mesmo homem. É um homem que sabe o quão fraco é, desligado, prestes a
refugiar-se no terreno do delírio. Estas personagens sui generis são exatamente
a génese dos filmes mais surreais de Cronenberg, como os interrogatórios de
abertura sugerem imediatamente. É então, de certa forma, apropriado que este
seja o mais convencional e acessível da sua carreira.
7/10
Me decepcionou um pouco por conta da abordagem um tanto artificial de duas figuras interessantes e tão inteligente quanto Freud e Jung. Levando em consideração que as cenas que marcam são aquelas compostas pela interação entre ambos, é impossível não sentir que Cronenberg deixou escapar um pouco daquilo que mais sabe fazer. Enfim, é um bom filme que tinha potencial para ser "o" filme.
ResponderEliminarAbraços!
www.lumi7.com.br
Sim, isso é verdade, até certo ponto, artificial é um bom termo. Obrigado por leres :) Abraço
ResponderEliminarAqueles detractores que adoram comparações lembrar-se-ão naturalmente dos telefilmes da BBC, quando visualizarem esta nova obra de Cronenberg, Um Método Perigoso. O filme é um portento, tecnicamente falando, verosímil quanto baste na reconstituição histórica (dos cenários e decoração ao guarda-roupa e acessórios), irrepreensível na fotografia e na banda sonora (Peter Suschitzky e Howard Shore, respectivamente, em mais uma frutuosa parceria com o cineasta) e nos demais departamentos técnicos. A nível da história, contudo, fica-se pelo drama eficiente e nunca demasiadamente estimulante.
ResponderEliminarhttp://www.cineroad.net/2012/01/dangerous-method-2011.html
Roberto Simões
CINEROAD.net
Não o poderia ter dito melhor.
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