Falar de filmes sobre drogas hoje em dia é falar de Requiem For A
Dream, Fear And Loathing In Las Vegas ou Transpotting, obras de enorme
qualidade e valores de produção, que trouxeram um vislumbre de uma subcultura
destrutiva a um público mais generalista. É um assunto desagradável e fácil de
usar como artifício de tragédia, mas raramente explorado com isenção. Story Of
A Junkie colmatou essa lacuna por antecipação nos anos 80, mas ficou esquecido
como mais um de muitos títulos da Troma Entertainment, a distribuidora
independente americana de filmes-B fundada em 1974 por Lloyd Kaufman, um
carismático empresário/realizador/whatever aclamado nos círculos de cinema
chunga.
Pois este é talvez o mais realista retrato de um viciado que há - segue
Gringo, um homem que simplesmente sobrevive para arranjar heroína, deambulando
pelas ruas de Nova Iorque noite após noite sem destino, planos ou objectivos,
preso numa ilha, preso num círculo de autodestruição. É, acima de tudo, um
documentário sem comentários - apesar de algumas cenas serem encenadas para
mostrar a crueldade dos que alimentam e se alimentam deste negócio, fazendo uso
da violência sempre que necessário (e às vezes só porque sim), a grande maioria
do filme consiste apenas em transacções curtas de dólares por saquinhos de
plástico, monólogos bamboleantes e injecções reais de droga.
Gringo, ou John Spaceley, era, afinal, uma pessoa bem real, que se
auto-interpretou (morreu com SIDA poucos anos depois). Não é julgado, nem lhe é
requerida uma grande actuação, apenas que mostre a sua vida. Esta é a Nova
Iorque suja e feia que não se costuma ver, e mesmo quando se vê nunca é tão
suja ou feia quanto aqui. A câmara do realizador Kowalski não se coíbe de
mostrar o sangue que escorre com o picar da agulha, o delírio da moca, os
vómitos da ressaca, chegando mesmo a combinar isso tudo numa montagem final tão
ou mais enjoativa e desconcertante que a vista em Requiem For A Dream, uma
corajosa e difícil de ver exibição de cinema verité.
É verdade que Story of A Junkie é uma produção do mais low-cost
possível, sem enredo ou garbo técnico. Foi-me vendido como um drama e talvez
tenha sido vendido como um drama desde que foi feito, perpetuando assim um
equívoco, pois é claro que o intuito nunca foi contar uma história ou
estabelecer grandes planos (ainda assim, tocante o relato de Gringo da sua
vida, entrecortado por fotografias antigas). Aborrecido, repetitivo e confuso
são críticas legítimas de se lhe fazer, mas Story of A Junkie não é irrelevante.
Torna-se difícil recomendar um filme nestas condições, mas quem tiver paciência
e estômago forte pode encontrar recompensa no seu desembaraço. Que abismo
humano...
3/10
Confesso que fiquei interessado no filme, apesar de suas ressalvas acerca da qualidade dele. Vou procurá-lo para assistir, talvez eu ache algo nele que me entretenha.
ResponderEliminarOpa, tudo bom? Antes de tudo: adorei seu blog. Dito isso, já ouvi falar neste filme, mas nunca me interessei muito. Me restrinjo aos filmes sobre drogas citados por você. Vou pesquisar mais sobre este aqui, já que não tenho muito problemas com filmes fortes - o que aparenta ser!
ResponderEliminarÉ um filme que vale a pena pelo realismo. Admiro muito o que é feito aqui nesse aspecto, mas, objectivamente, é um filme muito fraco. A nota é muito baixa e o texto parece mais positivo, espero estar a explicar bem o porquê dessa aparente diferença (que se calhar nem existe, mas enfim). É um filme muito pouco visto!
ResponderEliminarNao conhecia o filme, mas fiquei com uma ideia bem clara. Boa cronica.
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